sexta-feira, 31 de julho de 2009

Anais Nin


"Eu contava a mim própria a história de uma vida e isso transforma em aventura as coisas que nos destroem. A aventura é a viagem mítica que todos temos que fazer, a viagem ao nosso interior, a viagem que na literatura clássica nos leva através de um labirinto. É então que começamos a olhar para aquilo que nos acontece como desafios à nossa coragem – com isto não quero dizer que todos tenhamos que ser heróis – apenas, que todos temos que fazer a viagem e acreditar que seremos capazes de encontrar a saída do labirinto."
Anaïs Nin

terça-feira, 28 de julho de 2009

Eça de Queirós


"Tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente. Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passa conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações."Eça de Queirós - O Primo Basílio

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Roberto Carlos para além de RC


Mais um texto belíssimo texto sobre o rei a mim dedicado.Obrigado a Deta pelo carinho justamente no dia do meu aniversário.
Roberto Carlos para além de RC

Para Tetê Bezerra

sempre tive resistência a tudo que 'pega' demais, a tudo que vira (quase) unanimidade, talvez por achar que esse fenômeno tem muito de contágio mental, rebanhismo. por isso mesmo nunca li Freud de baco a barro ou, se é preferível, de cabo a rabo (cabo a rabo não sei de quê...), quando ele era O Autor...
foi assim com Roberto Carlos. nunca comprei um disco dele, embora goste bastante de algumas canções suas, não sei se pela singeleza, pela forma como traduz nossos troços sentimentais.

noite dessas ouvi "Alô", tocando ao longe, num rádio, na vizinhança lateral da casa. fui à janela para ouvir melhor. era a primeira vez que escutava de verdade a canção, que já deve ter umas duas décadas. e ouvi como quem deixou o café na mesa mas, de súbito, olha e diz "ah, tinha esquecido", e verifica que está bem morno, ao ponto, e bebe com gosto.

sábado passado ele estava lá, naquele palco-céu, feito o santo da música popular deste Brasil tresvariado musicalmente e em outros aspectos.
parecia um totem diante do qual cessaram, por duas horas, todas as agonias de um povo que diariamente sangra.

escutei tudo em estado de inocência, sem julgamentos, comparações, sem me importar com a logomarca do canal, sem adjetivos.

pela primeira vez escutei Roberto Carlos para além de Roberto Carlos.

parecia um velho da aldeia, meio místico e sem cachimbo, contando histórias de amor cantando.

demorei a adormecer, mas dormi bem.
Postado por Nivaldete Ferreira (http://lapisvirtual.blogspot.com/)

Foto de Antonio Guerreiro 2


Encontro histórico:Geraldinho Carneiro e Cartola

sábado, 11 de julho de 2009

Ledusha S.


Infinito e cru

Há horas definitivas
em que o amor te põe nocaute
(não existe tal veludo, pluma alguma
que amacie o seu impacto)
O amor te expõe a tudo.

Cobre teu colo de ouro
e logo te esfola vivo
Num mero arroubo birrento
pode te arrancar o couro,
baby.

Sua brasa intermitente
no bom e no tal sentido
cintila entre disparates:
êxtases, drinks, dúvidas,
polaróides do infinito;
Monólogos desgovernados,
nuvens alvas, outras grises,
ternuras e cacos de vidro.

O amor te encaixa no cosmo,
no colo fofo das nuvens
te escolhe, estica, desencaixa,
te deixa à beira, à deriva
te lega o bem precioso:
aprender a ser preciso.

Vulnerável, porém radioso.


sexta-feira, 10 de julho de 2009


Logo mais o globo reporter especial enfocando a vida do rei Roberto Carlos.Merece Nonato,umas cervejas.Joaozinho tá vindo pra cá.Deta me disse que ouviu a música "alo" do rei e ficou emocionada.Quem não se emociona,quem não lembra de uma cidade,uma história,um amor,qualquer coisa onde a referencia musical era suas músicas.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Assim e não assado


Um articulista do jornal Folha de S. Paulo escreveu esta semana um artigo muito curioso sobre como a medicina, mais especificamente a psiquiatria, resolveu tratar como doença, ou síndrome, o que até algum tempo atrás não passava apenas de comportamentos específicos. Assim, práticas como assaltar a geladeira à noite, colecionar coisas antigas, ter dificuldade em se desfazer de papéis sem importância, ser tímido ou expansivo já são assuntos para consultórios médicos – em alguns casos, até com necessidade de medicamento. Pode-se concluir, ao final do artigo, que qualquer comportamento que nos desvie um pouco do que seria o grande consenso social já pode ser curado, reprimido ou adaptado. Em pouco tempo, graças à lábia dos psiquiatras e a prescrição de novas drogas, todas as nossas arestas seriam aparadas – e a sociedade seria composta de pessoas insuportavelmente parecidas. Ou não.Pensando nisso eu resolvi, mais uma vez, escrever sobre assuntos que eu não domino. E sobre os quais eu deveria manter uma prudente distância – mas a vontade de falar novamente venceu. O artigo, que poderia suscitar uma onda de preocupação e desânimo, me deixou feliz. Feliz por acreditar que nem todos enxergam esta questão pelo mesmo ângulo do articulista e, principalmente, por acreditar que existem pessoas que jogam todas as suas fichas na valorização das diferenças e na obtenção do prazer por meio delas.Já revelei aqui que faço terapia há muitos anos e se tivesse de resumir em poucas palavras o que me empurrou para o divã diria que foi justamente a vontade de desaparecer na multidão, de conduzir os meus desejos e anseios na direção das grandes massas, de implodir em mim tudo aquilo que, a princípio, me distanciava da grande conduta social que ensina que crescemos para casar, ter filhos, conservar num emprego fixo, buscar algum tipo de prosperidade e segurança na vida profissional, engolir a rotina em doses diárias e assegurar-se de que a velhice jamais nos encontrará desprevenidos.Tente fazer de mim uma outra pessoa, talvez eu tenha dito ao meu analista em nosso primeiro encontro. Ou, na medida do possível, faça de mim alguém muito parecido com todo mundo, inclusive na infelicidade. Me enquadre, eu devo ter solicitado. Diante de um pedido tão impositivo, percebo hoje que meu terapeuta precisou de muito tempo e de muito jogo de cintura para me desobedecer sem que eu me desse conta. Precisou de muito tempo para me mostrar que eu só teria algum valor se aprendesse a cultivar tudo aquilo em que eu queria dar fim. Que eu só seria reconhecido como pessoa, principalmente por mim mesmo, se eu percebesse que a diferença que tanto me incomodava era a minha digital neste mundo. Que aquilo que me fazia distinto, e por isso mesmo desconfortável em algumas situações e deslocado na maioria delas, era o que precisava ser cuidadosamente lapidado para se converter em fonte de prazer e alegria. E que se meu desejo às vezes resolvia cortar caminho por algum atalho escuro, que ótimo: era ali que eu seria apresentado à surpresa e ao acaso da vida.Ser o que somos é algo que vamos aprendendo aos poucos. Não costuma ser fácil e muito menos indolor. Mas a alternativa a isso pode ser ainda pior: é a gente se transformar numa fotografia desfocada e arruinada pelo tempo, cujas feições não serão reconhecidas nem por nós mesmos daqui a pouco. E, para encerrar, existe coisa mais prazerosa do que assaltar a geladeira de madrugada, ainda que seja de vez em quando? (http://roveriblog.blogspot.com/)

domingo, 5 de julho de 2009

Nonato Gurgel


Hoje reproduzo um textos mais bonitos que li sobre o rei.Um presente que meu amigo Nonato me deu. Proust tem razão ou Godard que me desculpe
Para Tetê Bezerra (RN) e Leonardo Gandolfi (RJ)I
O rei continua vivo. Que bom poder ouvir, após 50 anos de carreira, a voz intacta do Roberto. Enquanto alguns dos nomes mais representativos da sua geração já ostentam um audível cansaço pendurado nos timbres e tons de suas vozes, o rei encara - de peito literalmente nu - a tarde de sábado na TV. Encara e (en)canta. Canta a plenos pulmões, sem pose nem play back. Com ele, canta o país inteiro. O país para o qual ele serviu de trilha sonora nas cinco últimas décadas, mesmo quando não era de bom tom gostar de suas canções.
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II
Agora é fácil. Durante a ditadura militar, na década de 70, eram poucos os jovens politicamente corretos que assumiam ouvir o rei. Plugada, Maria Bethânia sacou a onda e acionou a Tropicália. Mas, a maioria das pessoas de esquerda e grande parte dos intelectuais eram contra. Ouvir as canções do Roberto não era bacana ou cult como passou a ser depois. Na esfera literária, conta-se nos dedos os poetas como Ana cristina Cesar que assumia descaradamente: "Ouça muito Roberto: quase chamei você mas olhei para mim mesmo etc. Já tirei as letra que você pediu" (Correspondência Completa).
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III
Guiados pela emoção, Roberto e o Brasil continuam cantando "Como é grande o meu amor por você" e "As canções que você fez pra mim". Seus versos fazem parte do nosso imaginário afetivo e social. Conheço vários brasileiros que, como eu, demarcam alguns dos acontecimentos marcantes de sua vida em sintonia com o disco anualmente lançado pelo rei em determinado contexto. Dependendo da canção ou da capa, eu sei onde morava, com quem andava, os bares, os carros, o que fazia naquela fase da vida... Um dia, quem sabe, escreverei sobre as noções de luz e sombra na obra do rei. Porque ecoam até hoje em mim, versos como estes: "Fui abrindo a porta devagar, mas deixei a luz entrar primeiro" ou "Há sempre uma sombra em seu sorriso" ou "...depressa em minha vida anoiteceu e eu não vi você" ou "Qual sombra da noite de um céu nevoento" ou "Em compensação o anoitecer, a tempestade e a dor" ...
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IV
Nunca li Proust (nem sei se dará tempo ler); mas tenho vários amigos que leram. Com eles aprendi que, para o autor de Em busca do tempo perdido, a nossa memória encontra-se fora de nós: nos cherios dos quartos abafados, no aroma que a chuva anuncia, no chá cuja temperatura traz de volta algum momento vivido... Ver Roberto nesta tarde de sábado, trouxe-me de volta às trilhas de algumas cidades e pessoas por que passei. Fez-me ver como Proust tem razão: parte da minha memória está no rei. Figurações da minha história passada foram acionadas pelos primeiros acordes de sua melodia presente. Fiquei emocionado com a enxurrada de pensamentos e percepções que a voz do rei acentua num corpo que armazena sua música. Não é uma questão cerebral, please. De cabeça, é fácil. Quer ver mexer com o coletivo; mexer com o corpinho pragmático e esperto que o sistema automatiza a cada dia, a cada ano, a cada década, tornando robôs e clones a maioria dos que seguem repetindo os mesmos gestos, as mesmas falas, usando as mesmas marcas e dizendo sim sim sim...
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V
O canto do rei aciona o pé, a mão, o pau; desnuda corações e veias... É outra coisa. É "da cabeça até a ponta do dedão do pé" (topa?), como canta ele num hit da Jovem Guarda. Como diria Tetê Bezerra, Godard que me desculpe; mas o Histoire(s) du cinema, no MAM, só amanhã. Se o rei não aparecer de novo neste horário na TV.(
http://linguadope.blogspot.com/)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Paulo Lemiski


RAZÃO DE SER

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Paulo Leminski