sábado, 26 de fevereiro de 2011

Os Excluídos


Ao contrário do que o título desta crônica possa sugerir, não vou falar so bre aqueles que vivem à margem da sociedade, sem trabalho, sem estudo e sem comida. Quero fazer uma homenagem aos excluídos emocionais, os que vivem sem alguém para dar as mãos no cinema, os que vivem sem alguém para telefonar no final do dia, os que vivem sem alguém com quem enroscar os pés embaixo do cobertor. São igualmente famintos, carentes de um toque no cabelo, de um olhar admirado, de um beijo longo, sem pressa pra acabar.
A maioria deles são solteiros, os sem-namorado. Os que não têm com quem dividir a conta, não têm com quem dividir os problemas, com quem viajar no final de semana. É impossível ser feliz sozinho? Não, é muito possível, se isso é um desejo genuíno, uma vontade real, uma escolha. Mas se é uma fatalidade ao avesso - o amor esqueceu de acontecer - aí não tem jeito: faz falta um ombro, faz falta um corpo.
E há aqueles que têm amante, marido, esposa, rolo, caso, ficante, namorado, e ainda assim é um excluído. Porque já ultrapassou a fronteira da excitação inicial, entrou pra zona de rebaixamento, onde todos os dias são iguais, todos os abraços, banais, todas as cenas, previsíveis. Não são infelizes e nem se sentem abandonados. Eles possuem um relacionamento constante, alguém para acompanhá-los nas reuniões familiares, alguém para apresentar para o patrão nas festas da empresa. Eles não estão sós, tecnicamente falando. Mas a expulsão do mundo dos apaixonados se deu há muito. Perderam a carteirinha de sócios. Não são mais bem-vindos ao clube.
Como é que se sabe que é um excluído? Vejamos: você passa por um casal que está se beijando na rua - não um beijinho qualquer, mas um beijo indecente como tem que ser, que torna tudo em volta irrelevante - você inclusive. Se lhe bate uma saudade de um tempo que parece ter sido vivido antes de Cristo, se você sente uma fisgada na virilha e tem a impressão que um beijo assim é algo que jamais se repetirá em sua vida, se de certa forma este beijo que você assistiu lhe parece um ato de violência - porque lhe dói - então você está fora de combate, é um excluído.
A boa notícia: você não é um sem trabalho, sem estudo e sem comida - é apenas um sem-paixão. Sua exclusão pode ser temporária, não precisa ser fatal. Menos ponderação, menos acomodação, e olha só você atualizando sua carteirinha. O clube segue de portas abertas.
(Martha Medeiros)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Jack Kerouac


"Estendido sobre a capota do carro olhando para o céu escuro era o mesmo que estar trancado dentro de um baú numa noite de verão. Pela primeira vez na vida, o clima não era algo que me envolvia, me acariciava, me enregelava ou fazia suar - mas era parte de mim mesmo! A atmosfera e eu nos tornamos a mesma coisa."
On the Road - Pé na Estrada, Jack Kerouac

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sem perder a ternura



Linaldo Guedes

letargia que invade as avenidas do XXI
terra sem lei, com fardas dormindo igual aos fardões

cabeças baixas, bolsos vazios, pés descalços
maiakovski apenas como um poema desbotado na estante
patrulhas cercando o quintal do vizinho

: a nova ordem não vem de caetano,
veloso de todos os sonhos que fugiam do haiti

silêncio, é a palavra que barulheia todos os sentidos

mas as damas aristocráticas formam vassalos
na terra onde o verde quase se torna uma lembrança vã
e ainda dizem que existe o amanhã
e eu acredito
como acredito no gosto estranho da romã

vejo, na retina da memória, soldadinhos de papel
crianças correndo por ruas de barro
brincando e gingando para as dores que não conhecia
é verão – hora de lembrar lições guevarianas:
não podemos perder a ternura!

(poema inédito)



Escrito por Linaldo Guedes

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Poesia


Surto das Horas
num pequeno surto
quebrei o relógio
e joguei fora o ponteiro das horas
agora faltam só minutos
pra gente se ver


Caio Victor Bulla de Carvalho

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Fernando Bonassi


"você eu fui matando aos poucos. um dia depois do outro. bem devagar. deixei de perguntar. deixei de dizer. deixei de avisar. dobrei cobertores, empilhei discos, escondi travesseiros e fotografias. separei o que havia em dupla. livrei-me do que era único. usei as costas de bilhetes essenciais. varri todos os pêlos pra debaixo dos lençóis. abafei as minhas vontades com mãos postas em desespero. o telefone se esganando por um fio. fumei páginas e páginas da tua Bíblia. mudei horários. recolhi documentos. mandei recados. voltei aos ovos fritos e às notícias. comecei a passar reto onde fazia curva. fui matando você assim. devagarzinho mesmo. agora você está completamente assassinada."



Fernando Bonassi


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