terça-feira, 22 de março de 2011

Vem


o amor não diz uma única palavra, nem baixo, nem alto, nem por dentro. não diz. o amor ensaboa a alma, faz arder, cospe fogo em cima das feridas outrora aberta por ele mesmo. amor não é calmo, gosta de andar a cavalo, acha lindas as palavras açucena, mel e gota. o amor gosta de mulheres que se chamam adélia e ri bastante quando chove. o amor dorme pouco, beija muito, bebe café, gim, vinho e cachaça de boteco. o amor é sem respeito, não teve educação e, dizem, nem mãe. o amor enreda os cabelos e sopra areia nos olhos. o amor ri dos delicados, faz chacota de Deus e jamais escreveria um livro. o amor lava a honra com sangue e come sempre com as mãos. o amor não tem blog, celular ou twitter, mas manda cartas. as vezes. o amor deixa rastros, estrias, descampados e abre precipícios com foice. o amor tem mais vento que fogo. e, como já disse alguém , água, o amor não é.


Por Cristiane Lisboa | Publicado:22 de março de 2011

quarta-feira, 16 de março de 2011

Martha Medeiros


O único silêncio que perturba,
é aquele que fala.

E fala alto.

É quando ninguém bate à nossa porta,
não há emails na caixa de entrada
não há recados na secretária eletrônica
e mesmo assim, você entende a mensagem

quarta-feira, 9 de março de 2011

Manuel Bandeira e o Carnaval I


Sonho de uma terça-feira gorda*

Eu estava contigo. Os nossos dominós eram negros,
[e negras eram as nossas máscaras.
Íamos, por entre a turba, com solenidade,
Bem conscientes do nosso ar lúgubre
Tão contrastado pelo sentimento de felicidade
Que nos penetrava. Um lento, suave júbilo
Que nos penetrava... Que nos penetrava como uma
[espada de fogo...
Como a espada de fogo que apunhalava as santas extáticas.


E a impressão em meu sonho era que se estávamos
Assim de negro, assimpor fora inteiramente de negro,
- Dentro de nós, ao contrário, era tudo tão claro e luminoso.

Era terça-feira gorda. A multidão inumerável
Burburinhava. Entre clangores de fanfarra
Passavam préstitos apoteóticos.
Eram alegorias ingênuas, ao gosto popular, em cores cruas.
Iam em cima, empoleiradas, mulheres de má vida,
De peitos enormes - Vênus para caixeiros.
Figuravam deusas - deusa disto, deusa daquilo, já tontas e
[seminuas.
A turba ávida de promiscuidade,
Acotovelava-se com algazarra,
Aclamava-as com alarido.
E, aqui e ali, virgens atiravam-lhe flores.

Nós caminhavamos de mãos dadas, com solenidade,
O ar lúgubre, negros, negros...
Mas dentro em nós era tudo claro e luminoso.
Nem a alegria estava ali, fora de nós.
A alegria estava em nós.
Era dentro de nós que estava a alegria,
- A profunda, a silenciosa alegria...

sábado, 5 de março de 2011

Crônica "As luvas" de Rubem Braga


Crônicas é um dos gênero que mais gosto,Rubem Braga ,sem dúvida é o maior mestre,suas crônicas escritas na década de 30,40,são atemporais.Quem acompanha esse blog já deve ter percebido a constância dele aqui.Não poderia ser diferente!



Só ontem o descobri, atirado atrás de uns livros, o pequeno par de luvas pretas. Fiquei um instante a imaginar de quem poderia ser, e logo concluí que sua dona é aquela mulher miúda, de risada clara e brusca e lágrimas fáceis, que veio duas vezes, nunca me quis dar o telefone nem o endereço, e sumiu há mais de uma semana. Sim, suas mãos são assim pequenas, e na última noite ela estava vestida de escuro, os cabelos enrolados no alto da cabeça. Revejo-a se penteando, com três grampos na boca; lembro-me de seu riso e também de suas palavras de melancolia no fim da aventura banal. Eu quis ser cavalheiro, sair, levá-la em casa. Ela aceitou apenas que eu chamasse um táxi pelo telefone, e que a ajudasse a vestir o capote; disse que voltaria...



Talvez telefone outro dia, e volte; talvez, como aconteceu uma vez, entre suas duas visitas, fique aborrecida por me telefonar em uma tarde em que tenho algum compromisso para a noite. "A verdade" - me lembro dessas palavras de uma tristeza banal -"é que a gente procura uma aventura assim para ter uma coisa bem fugaz, sem compromisso, quase sem sentimento; mas ou acaba decepcionada ou sentimental..." Lembrei-lhe a letra de uma velha música americana: "I am getting sentimental over you". Ela riu, conhecia a canção, cantarolou-a um instante, e como eu a olhasse com um grande carinho meio de brincadeira, meio a sério, me declarou que eu não era obrigado a fazer essas caras para ela, e dispensava perfeitamente qualquer gentileza e me detestaria se eu quisesse ser falso e gentil. Juntou, quase nervosa, que também não lhe importava o que eu pudesse pensar a seu respeito; e que mesmo que pensasse o pior, eu teria razão; que eu tinha todo o direito de achá-la fácil e leviana, mas só não tinha o direito de tentar fazê-la de tola. Que mania que os homens têm...



Interrompi-a. Que ela, pelo amor de Deus, não me falasse mal dos homens; que isso era muito feio; e que a seu respeito eu achava apenas que era uma flor, um anjo "y muy buena moza".



Meu bom humor fê-la sorrir. Na hora de sair disse que ia me dizer uma coisa, depois resolveu não dizer. Não insisti. "Telefono". E não a vi mais.



Com certeza não a verei mais, e não ficaremos os dois nem decepcionados nem sentimentais, apenas com uma vaga e suave lembrança um do outro, lembrança que um dia se perderá.



Pego as pequenas luvas pretas. Têm um ar abandonado e infeliz, como toda luva esquecida pelas mãos. Os dedos assumem gestos sem alma, e todavia tristes. É extraordinário como parecem mortas e ao mesmo tempo ainda carregadas de toda a tristeza da vida. A parte do dorso é lisa; mas pelo lado de dentro ficaram marcadas todas as dobras das falanges, ficaram impressas, como em Verônica, as fisionomias dos dedos. É um objeto inerte e lamentável, mas tem as rugas da vida, e também um vago perfume.



O telefone chama. Vou atender, levo maquinalmente na mão o par de luvas. A voz é de mulher e hesito um instante, comovido. Mas é apenas a senhora de um amigo que me lembra o convite para o jantar. Visto-me devagar, e quando vou saindo vejo sobre a mesa o par de luvas. Seguro-o um instante como se tivesse na mão um problema; e o atiro outra vez para trás dos livros, onde estavam antes.



Santiago, outubro, 1955

Carnaval me dá mesmo é vontade de ficar em casa,ler meus livros,ouvir minhas músicas,sabe aquele prazer de não ter compromisso com nada e ninguém,de não atender telefone,de ver os seriados de Zorro...
Ah!,mas lembro da banda gália,Natal dos anos 80,tinha efervescencia,havia uma vontade de cair na farra,mas ai é outra época,outra Natal que hoje como diz Drummomd é só uma paisagem na parede,mas como dói.