sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

brega


brega

Isso da vida:
Ida, volta e vinda
Tem chão ainda , recaídas.
Quantas coisas: casas , brasas;
Quanto amor em tudo sempre , chororô e a dor de dente.
Te amei várias vezes num ano e seis meses, na balada profunda de uma mpb: poemas, lençóis e “ vou te ver” .

Um Longa metragem na segunda parte
quase no final feliz
Faltou um triz.

neusa doretto

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Presença de Clarice - Ferreira Gullar


Presença de Clarice - Ferreira Gullar

MEU primeiro encontro com Clarice Lispector foi numa tarde de domingo na casa da escultora Zélia Salgado, em Ipanema, creio que em 1956. Eu havia lido, quando ainda vivia em São Luís, o seu romance "O Lustre", que me deixara impressionado pela atmosfera estranha e envolvente, mas a impressão que me causou sua figura de mulher foi outra: achei-a linda e perturbadora. Nos dias que se seguiram, não conseguia esquecer seus olhos oblíquos, seu rosto de loba com pômulos salientes.
Voltei a encontrá-la, pouco tempo depois, no "Jornal do Brasil", durante uma visita que fez à redação do "Suplemento Dominical". Conversamos e rimos, mas não voltamos a nos ver num espaço de uns dez anos. De fato, só voltei a encontrá-la logo após voltar do exílio, em 1977. Ela ligou para minha casa: queria entrevistar-me para a revista "Fatos e Fotos", para a qual colaborava naquela época.
Clarice já era então uma mulher de quase 60 anos, marcada por acidente que resultara em sérias queimaduras que lhe deixaram marcas na mão direita. Já quase nada tinha da jovialidade de antes, embora continuasse perturbadora em sua natural dramaticidade. Depois de ouvir dela algumas palavras carinhosas, decidi revelar-lhe como me fascinara em nosso primeiro encontro.
-Você era linda, tão linda que saí dali apaixonado.
-Quer dizer que eu "era" linda?
-E ainda é, apressei-me em afirmar..
Terminada a entrevista, despedimo-nos carinhosamente, mas no dia seguinte ela ligou de novo. Queria encontrar-me para conversar. Fui até sua casa, no Leme, e de lá fomos caminhamos até a Fiorentina, que ficava perto.
Lembro-me que Glauber Rocha, vendo-nos ali, veio sentar-se em nossa mesa e começou a elogiar o governo militar. Clarice me olhava para com espanto, sem entender. Ele, depois daquele discurso fora de propósito, mudou de mesa.
-Ele veio provocar você, disse Clarice. Com que intenção falou essas coisas?
-Glauber agora cismou de defender os milicos. É piração.
Depois dessa noite, voltei a vê-la num encontro que ela promoveu em sua casa com alguns amigos, entre os quais Fauzi Arap, José Rubem...
Foi a última vez que a vi. A roda-viva daqueles tempo me arrastou para longe dela, em meio a problemas de toda ordem, crises na família, filhos drogados, clínicas psiquiátricas. De repente, soube que ela havia sido internada num hospital em estado grave. Localizei o hospital, telefonei para o seu quarto e acertei com a pessoa que me atendeu ir visitá-la no dia seguinte. Mas, ao chegar à redação do jornal, antes de sair para a visita, a telefonista me passou um recado: "Clarice pede ao senhor que não vá vê-la no hospital. Deixe para visitá-la quando ela voltar para casa". E se ela não voltasse mais para casa? Dobrei o papel com o recado e guardei-o no bolso, desapontado.
Àquela noite, quando contei o ocorrido a minha mulher, ela explicou: "Clarice, vaidosa como era, não queria que você a visse no estado em que estava". Pode ser, mas, de qualquer forma, até hoje lamento não ter podido vê-la uma última vez.
Dois ou três dias depois do recado, ela morria. Ao sair do banho, pela manhã, alguém me informou: "Clarice Lispector morreu". De viagem marcada para São Paulo, entrei num táxi que me levou pela lagoa Rodrigo de Freitas. Não poderia ir a seu sepultamento. O táxi corria dentro de uma manhã luminosa, enquanto a brisa balançava alegremente os ramos das árvores. Clarice morrera e a natureza o ignorava. No avião, escrevi um poema falando nisso. Que mais poderia fazer?
Alguns meses atrás, quando aceitei fazer a curadoria da exposição sobre ela, no Museu da Língua Portuguesa, todas essas lembranças me acudiram. Ia ser bom voltar a pensar nela, reler seus livros, pois é neles e só neles que é possível reencontrá-la agora e nunca naquele saárico túmulo do Cemitério Israelita do Caju, aonde certo dia, sob sol escaldante, fui, com Cláudia Ahimsa, visitá-la. Não havia Clarice nenhuma sob aquela laje de pedra, sem flores. E não havia porque, de fato, o que Clarice efetivamente foi, o que fazia dela uma pessoa única e exasperada, era sua patética entrega ao insondável da existência -e a necessidade de escrever, de tentar incansavelmente dizer o indizível, mas certa de que, ao torná-lo dizível, o dissiparia.
Não obstante, isso era tudo o que valia a pena fazer na vida, conforme afirmou: "Quando não escrevo, estou morta".
Em compensação, quando a lemos, ressuscita.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Novas Vidas


Escrito por Elifas Andreato


São essas pequenas criaturas a razão deste texto, feito com Nuno ainda no ventre de minha filha. Em breve poderei tê-lo nos braços, para contar-lhe que a vida é mistério, que cada um obedece a leis diferentes, que cada qual traça o seu próprio destino.


No mês passado, completei 66 anos. Ninguém chega a esta idade sem pensar no tempo. Vivi anos suficientes para saber que a negação do tempo é tão vã quanto ele próprio. O tempo é apenas uma série sucessiva de presentes, um caminho perpetuamente destruído e recomposto, pelo qual avançamos sem parar.

Não sou mais tão jovem para não dar ao tempo que ainda disponho a importância de cada novo dia. O tempo tem hoje para mim o significado de uma estrada que não sei onde termina. Nela, o que hoje parece ter relevância, amanhã não passará de simples acessório. Por isso, busco o valor das virtudes com a mesma sinceridade dos anos passados.

Tudo passa, enquanto o tempo assiste, imóvel, ao desfile de alegrias e tristezas – cortejo de que se compõe a vida. A dor, as desilusões, as frustrações não são redenção, mas evolução. É preciso ter esgotado todo o sofrimento para chegar ao tempo tranquilo que precede a aurora de uma nova vida. Ainda que tardia, ela pode ser produtiva e feliz.

Hoje sou capaz de aceitar a infinita diversidade da minha natureza, que me conduziu por caminhos divergentes, mas sempre em busca da felicidade. Felicidade que hoje tenho razões de sobra para compartilhar com todos os que amo. Sobretudo com as novas vidas que me tratam carinhosamente como nono ou vovô. São essas pequenas criaturas a razão deste texto, feito com Nuno ainda no ventre de minha filha. Em breve poderei tê-lo nos braços, para contar-lhe que a vida é mistério, que cada um obedece a leis diferentes, que cada qual traça o seu próprio destino. Mesmo que ele não compreenda, direi que os séculos passam e o mundo se desgasta, mas a alma, essa sim, deve sempre permanecer jovem – como sinto a minha hoje, depois de 66 carnavais.

Gostaria de encerrar dizendo que acredito firmemente no esquecimento de tudo que não quero, para assim construir o triunfo do que quero viver e ser.Espero que o tempo seja generoso, me concedendo alguns anos mais para que possa repetir exaustivamente a essas novas vidas que os objetos da nossa felicidade estão à nossa frente. São eles que mantém acesa a luz em nossos olhos, para que a vida seja preciosa enquanto durar.


Obs: Reprodução/Desenho de Elifas Andreato
Clementina de Jesus: desenho da cantora é, para Elifas, o seu melhor;
Hermínio Bello de Carvalho o vê como ‘a nossa Monalisa’

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Riogrande


Riogrande

Rio grande da morte
Rio grande sem sorte
Rio grande sem forte
Rio Grande do Norte
Rio pequeno do Norte
Rio finito do corte
Rio seco de sorte
Rio Grande do Norte
Rio sem cais sem porto
Rio você já foi morto
Rio de leito torto
Rio chorando de fome
Rio triste sem nome
Rio cansado que some
(Bosco Lopes)