segunda-feira, 30 de julho de 2012

Angélica Freitas






a poesia não (reloaded)
a poesia não é uma coisa idiota
a poesia não é uma opção
a poesia não é só linguagem
a poesia, não
a poesia não é para ser entendida
a poesia não é uma ciência exacta
a poesia não é arma
a poesia não é mais de Orfeu
a poesia não é diferente
a poesia não é um casamento
a poesia não é um sentido
a poesia não é, nunca foi
a poesia não é escolha
a poesia não é nem quer ser mercadoria
“a poesia não é uma força de choque.
é uma força de ocupação.”
Mas a poesia não é a revelação do real?
a poesia não é a arte do objeto
a poesia não é mero artifício
a poesia não é de Castro Alves, como pensam muitas pessoas
a poesia não é mais representativa
a poesia não é uma ocupação permanente
a poesia não é um espelho
não, a poesia não é uma arte contemplativa
a poesia não é uma coisa idiota
a poesia não é algo que possa utilizar-se como trombeta
a poesia não é uma questão de sentimentos
a poesia não é feita (diretamente) de idéias
mas de palavras (estas, sim, portadoras daquelas)
as pessoas nem sempre percebem que a poesia não
é mero entretenimento, brincadeirinha literária inconseqüente
já a poesia não.

- Angélica Freitas

domingo, 22 de julho de 2012

MARTHA MEDEIROS - Pequenas felicidades






- Cachorro-quente.

- Na esteira de bagagens do aeroporto, sua mala estar entre as primeiras a aparecer.

- Receber notícias de um amigo de que você gosta muito e que andava sumido.

- Ter recebido de presente a série inteira de Mad Men para assistir atirada no sofá.

- Numa loja de CDs usados, por um preço irrisório, encontrar discos de Keith Jarret, Tom Waits, Chet Baker e Miles Davis que você já teve em vinil e estupidamente se desfez.

- Livros. Encantar-se por um autor que você não conhecia.

- Num restaurante com os amigos, a última rodada ser brinde da casa.

- Dentro do cinema, não haver ninguém conversando e fazendo barulho com papel de bala e saco de pipoca.

- Revistas TPM, Lola, Bravo, Elle, Vogue, Joyce Pascowitch – revistas de moda, cultura, entretenimento e decoração são sempre um luxo acessível, uma fantasia necessária.

- Lareira.

- Sair bem na foto.

- Passar um fim de semana no Rio.

- Um bom programa de entrevistas na tevê.

- Uma consulta altamente proveitosa na terapia.

- Flores, folhagens, jardins, árvores, montanha.

- Acertarem no presente.

- Taxista que não corre.

- Prazos de validade bem visíveis nos produtos perecíveis.

- Banho quente. Sem pressa pra sair.

- Declaração de amor de filho.

- Declaração de amor do seu amor.

- Conversar longamente com sua melhor amiga. Tomando um vinho tinto, melhor ainda.

- Alguém encontrou e devolveu a carteira que você havia perdido com todos os documentos dentro.

- Barulho de chuva antes de dormir.

- Dia de sol ao acordar.

- Massagem.

- Receber um elogio profissional de alguém que você admira muito.

- Subir na balança e descobrir que emagreceu.

- Check-up que não acusa nenhum distúrbio de saúde.

- Lembrar detalhes de um sonho bom.

- A vibrante pulsação de um show ao vivo.

- Biografias bem escritas de personalidades interessantes.

- Praia com mar de cartão postal.

- Festa boa.

- A luz voltar.

- Um dinheiro extra que você não estava esperando.

- Beijo.

- n Sair do dentista ouvindo a recomendação de voltar só dali a um ano.

- Uma noite bem dormida.

- Ter concluído satisfatoriamente todas as pendências da semana.

- Seu time fazer o gol decisivo no último minuto do jogo – é preciso sofrer um pouquinho na vida.

- Coca-Cola. Bombom. Pão com manteiga. Queijo.

- Chorar de rir.

- Quitar uma dívida.

- Rever as obras de um pintor de que você gosta muito.

- Seu cachorro de estimação. Seu gato aninhado em seu colo.

- Identificar suas próprias pequenas felicidades e, mesmo nem tudo dando certo, gostar da vida que leva.

(O arco íris na praia de ponta negra,foto de João Maria)

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Alessandro "Robocop" Bartel





Vermelhos. Vermelhos seus olhos estavam quando me disse. Disse que não. Não havia a mínima chance de algo entre a gente acontecer. Você precisa me entender. Preciso fazer isso por mim, falou com o olhar baixo e a voz embargada. Silêncio. Foi isso que aconteceu nos minutos seguintes. De repente, o silêncio se desfez. Eu acho que não tem nada a ver, sabe, a gente não tem nada a ver. Agora, ela deu p...ra achar as coisas, pensei. Era fim de tarde e lá no oeste, o sol tocava, de leve, o horizonte. Uma cor laranja invadia a janela da sala e iluminava um porta-retrato, um sapato seu e registrava, em cores vivas, nossa separação. Não houve nenhum porém. Ele me ligou e a gente vai tentar, foram essas suas últimas palavras. Resolvi não arriscar nenhuma palavra. Apenas sorri. Sorri e ela entendeu que tava tudo bem. Peguei meu óculos, engoli a saliva, beijei-lhe a testa, destranquei a porta e sai. Não olhei pra trás. Desci nove lances de escadas e quando alcancei a rua, o horizonte já havia engolido o sol. Céu limpo, um vento de leve, desses típicos de outono, atingiu-me em cheio. Segui em frente, sem saber pra onde ir. Olhei pro céu. Há muito tempo não fazia uma noite assim.

(Alessandro "Robocop" Bartel)

quarta-feira, 18 de julho de 2012

MARTHA MEDEIROS - Para Woody Allen, com amor



MARTHA MEDEIROS - Para Woody Allen, com amor

Tinham me dito que seu novo filme era meio bobinho, com piadas requentadas e que não acrescentava grande coisa à sua carreira. Querido cineasta, quem o julga com severidade o faz por amor também – admira tanto sua obra que não se contenta com menos do que um Match Point ou um Meia Noite em Paris –, porém ganharíamos mais se julgássemos você pelo seu estado de espírito, que tem sido transparente e inspirador. Espero não estar sendo pretensiosa, mas percebo que, depois de muitos anos procurando entender e diagnosticar as neuroses humanas – as suas, inclusive –, você deu o serviço como feito e agora está apenas se divertindo enquanto seu lobo não vem.

Não vejo maneira mais inteligente de envelhecer. Deixar de lado a obsessão por originalidade e dar seu recado com as ferramentas que domina é uma forma de se libertar, e a liberdade é um dom para poucos. Você sabe que um dos assuntos do seu novo filme, a de que as pessoas perderam a noção do ridículo ao valorizarem a vida íntima dos “famosos” (e os “famosos” mais ainda ao se deixarem seduzir por essa falácia), já está datado. No entanto, filmando em Roma, terra dos paparazzi, como não aproveitar a piada?

Acreditar-se especial nos torna patéticos. Somos todos uns pobres diabos tentando enfrentar a morte iminente com alguma ilusão tirada da cartola. Você é um homem talentoso com uma extensa folha de serviços prestados ao cinema mundial, mas o fato de se reconhecer comum o torna ainda maior.

Outro dia ouvi do grande Gilberto Gil, ao completar 70 anos: “Me dou cada vez menos importância”. Ah, que presente para si mesmo. Somos todos geniais cantando no chuveiro – quando passamos a acreditar seriamente que merecemos veneração, lá se vai um pouco da nossa essência.

Como diz o personagem de Alec Baldwin, maturidade talvez não seja sinônimo de sabedoria, e sim de exaustão. Quanto mais o tempo passa, mais se torna necessário simplificar a vida. O que não impede de estarmos abertos para algumas surpresas. Escutar mais do que falar, aprender mais do que ensinar, enxergar mais do que aparecer – não seria o ideal? Lutar contra o próprio ego não é fácil, mas é o único jeito de mantermos uma certa sanidade e paz de espírito.

Caro Woody, minha admiração segue gigantesca. Não só por todos os filmes brilhantes já realizados, mas também por você ter alcançado essa visão desestressada e zombeteira da vida maluca que levamos todos.

Por você conseguir, a despeito de todos os elogios e prêmios recebidos, ter a dimensão exata do seu tamanho no mundo. De não trocar seus prazeres pessoais pela ânsia de ter mais visibilidade. Por filmar em diferentes cidades do planeta, extraindo delas sua beleza genuína, mas sem deixar de unificar as fraquezas e grandezas humanas, que são iguais em qualquer lugar.

O resto é gordura desnecessária. Longa vida aos que conseguem se desapegar do ego e ver a graça da coisa.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Alma Corsária





Alma Corsária 

De tanto sono me baixa uma lucidez estranha
em que a amendoeira pousa, luminosa, rara,
sob o fundo escuro da noite meio baça
(cilíndrica, roliça, bizarra)
seu vulto verde acocorado sobre a água
da piscina que não tem um pensamento.

Eu sinto inveja dessas águas anuladas
tão plácidas, idênticas ao próprio contorno
enquanto eu mesma nem sei onde começo,
quando acabo
e sofro o assédio de tudo o que me toca.

O mundo ora me engole, ora me vara
e tudo o que aproxima me desterra.
Chorei, ao ver no chão da cela,
o botão arrancado na contenda,
os óculos pisados do escritor judeu.

Tenho um coração que estala
com o peteleco das palavras de Clarice.
Numa vila miserável na Bahia,
um negro lindo, lindo,
dança ao som do corisco
_ e só me apaixono por casos perdidos,
homens com um quê de irremediável.

Mais de uma vez, imóvel, circunspecta,
vi abrir-se a máquina do mundo
sob a luz inclinada de Ipanema,
na Serra da Bocaina, no meio da floresta,
no alto da escada no topo do morro
por onde a moça seqüestrada vinha subindo
debaixo das lágrimas do pai.

Mais de uma vez meu coração trincou feito vidro
diante da página impressa,
e sempre que a palavra justa vem tirar seu mel
de dentro da copa do desespero de amor.
Acredito, do fundo das minhas células,
que uma amizade sincera "é o único modo de sair da solidão
que um espírito tem no corpo".
Sim, eu acredito no corpo.

Por tudo isso é que eu me perco
em coisas que, nos outros,
são migalhas.
Por isso navego, sóbria, de olho seco,
as madrugadas.
Por isso ando pisando em brasas
até sobre as folhas de relva,
na trilha mais incerta e mais sozinha.

Mas se me perguntarem o que é um poeta
(Eu daria tudo o que era meu por nada),
eu digo.
O poeta é uma deformidade.

Claudia Roquette-Pinto

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Fernando Pessoa




Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto de apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.
Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque de tão interessante que é a todos os momentos,
a vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre as árvores e esquecimentos,
Entre tombos e perigos e ausências de amanhã.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Políbio Alves



Última carta

Estou tãp alegre
que o sono me escapa
e me lacra
sobre o azul das paredes.
É o mesmo continente
sala e quarto, aquele azul
descascado pelo tempo.
Estou tão só e contente
que amanhã de manhã
vou abrir a janela,
me lançar
do décimo segundo andar
e decuplar
um soco no mundo.