sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

FORA DE LINHA


para Antônio Nóbrega

Os homens obsoletos foram dispensados 
como candidatos a recrutas, por excesso de contingente. 
Os homens obsoletos vagam qual zumbis 
em praças, parques e estações de metrô. 
Os homens obsoletos alimentam-se de jornais 
e engordam nos sofás diante da televisão. 
Os homens obsoletos cumpriram as exigências:
faculdade, inglês e cursos de pós-graduação.
Os homens obsoletos mantiveram-se jovens
com dietas, ginástica e oficinas de auto-estima.
Os homens obsoletos tiveram bloqueados
seus crachás, suas senhas e cartões de crédito.
Os pais não querem os homens obsoletos.
— Ah, quanto dinheiro investido em sua educação!
Os amantes não querem amar os homens obsoletos
porque estes têm a pele com gosto de ferrugem.
O mercado não absorve os homens obsoletos,
pois não existe demanda para a exportação.
Não há como reciclá-los para que se encaixem
nos mutáveis programas de reengenharia.
Terapeutas recomendam aos homens obsoletos
que ocupem o tempo ocioso nos museus e galerias,
nas paróquias ou mesmo em clubes de filatelia.
Os homens obsoletos caíram em desuso
como os chapéus, as galochas e o jogo d
FORA DE LINHAe bilboquê.

( Donizete Galvão )

SETEMBRO

setembro

Nunca mais será setembro,
nunca mais a tua voz dizendo
nunca mais, eu lembro,

nunca mais, eu não esqueço,
a pele, nunca mais,
o teu olhar quebrado,

dividido, vou esquecê-lo,
é o que digo, nunca mais
a minha mão no teu sorriso,

a tua voz cantando,
vou apagá-la para sempre,
e nossos dias, setembro, lembro

bem, dentro a tua voz dizendo não
( ouço ainda agora ), como se quebrasse
um copo, mil copos, contra o muro.

Rasgarei o que não houve, o que seria,
mesmo que tudo em mim me diga não
( e diz ), mas é preciso.

Como não se pensa mais um pensamento,
quero, prometo:
nunca mais será setembro.

( eucanaã ferraz )

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

OCASO

Ocaso.

Cortei,
cortei o sim,
o nó na garganta,
cortei o que era plástico e se quebrou,
o que era amargo e se acabou,
Cortei o açucar,
cortei você. 

Cortei, 
cortei o laço,
o abraço,
o umbigo,
cortei o pão que o diabo amassou,
cortei o inferno,
o fogo,
o fardo,
cortei você.

Cortei,
cortei os fios,
o cabelo,
os brios,
cortei na própria carne.
Cortei a carapaça do amor,
a carapuça da dor,
cortei,
cortei você.

Cortei,
as garras,
as asas,
suas,
e voei.

Clara Gurgel

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Nighthawks

Nighthawks

"Ficou olhando o quadro de Edward Hopper ali na sua frente, Night life e descobriu pasmada que nunca esse quadro teve tanta significação como nessa noite. O limpo e banal café de esquina de uma rua vazia de Nova York, o café quase vazio (só três pessoas no balcão) com o empregado de uniforme branco-azulado lavando coisas debaixo da torneira, xícaras? A longa fila dos banquinhos vazios contornando o balcão, tudo visto do lado de fora, através da comprida vitrine de vidro. O silêncio sem moscas. O vidro sem poeira.
E esse quadro estranhíssimo de um café noturno em alguma esquina de algum beco em Nova York. Havia vermelho mas nesse café até a cor vermelha era fria. A solidão medíocre."

Telles, Lygia Fagundes - As Horas Nuas

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A poesia

A poesia

Houve um tempo
em que Schmidt e Vinicius
dividiam as preferências 
como maior poeta do Brasil 
Quando por unanimidade ou quase
nesse jogo tolo
de se querer medir tudo
Drummond foi o escolhido
ele comentou
alguém já me mediu
com fita métrica
para saber se de fato sou
o maior poeta ?

Estava certo
Pois a poesia
quando ocorre
tem mesmo a perfeição
do metro –
nem o mais
nem o menos
– só que de um metro nenhum
um metro ninguém
um metro de nadas

( Francisco Alvim )

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Fruta Pao

FRUTA-PÃO

Para Leo Ventura

Minha madeleine
É a memória dessa fruta
Nas beiras litoral
Entre os coqueiros e a brisa
O cheiro de sol na areia
Os movimentos livres da infância
Os agitos soltos da juventude
O amor ancorado na pulsação quieta
A poesia inscrita no sabor

João Batista de Morais Neto

domingo, 26 de julho de 2015

Regis Bonvicini

NOTÍCIA DA SÍRIA
Um garoto libanês
camiseta verde-lunar
"I'm so keen on being looked at"
bermuda cinza
arranha palavras em português
seu irmão mais novo com uma cara meio sinistra
buraco entre os dentes incisivos de cima
a dez passos da mesquita
muro alto, largo, relevo áspero,
Soueid Têxtil
um tapume de zinco, tinta descascada
a porta de ferro e vidro em pé sem a casa
uma cadeira de escritório de aço tubular, vazia,
estofado de espuma e napa, rasgado
do lado de fora de uma casa
caindo aos pedaços
uma garota enverga um véu rosa claro
cabeça baixa
vestido preto longo
passa
um palestino,
de um campo de refugiados na Síria,
Aka,
o confisco total de víveres
imposto pela ditadura de Al-Assad
garotos comendo grama
bombardeios
um hibisco esguio sobre a marquise
agora trabalha no açougue e comida halal
de um sunita de Trípoli
cozinheiro, garçom, faz-tudo
em troca de cama e comida
e aqui de novo os fuzis
um ilegal metralhado ontem à noite na esquina
barraca "Envío dinero"
ao meio-dia se volta para Meca na calçada
cruzes enfiadas nas bocas das meninas
sem falar português
um garoto negro passa
carregando um manequim

domingo, 19 de julho de 2015

JANELA POÉTICA (III

JANELA POÉTICA (III)


Marize Castro


às margens de mim
o desejo é o mesmo

ir para nenhum lugar
correr para dentro

talvez voar



(A poeta Marize Castro nasceu em Natal. Editora e jornalista, é autora dos livros de poesia “Marrons Crepons Marfins” (1984), “Rito” (1993), “Poço.Festim.Mosaico”(1996), “Esperado Ouro” (2005), “Lábios-espelhos” (2009) e “Habitar Teu Nome” (2011). “Em seus versos há algo de fundamental, algo entre o belo e o verum, a verdade em beleza, um cuidado especial com a síntese, um encontro com a poesia” – afirma Haroldo de Campos)

domingo, 10 de maio de 2015

Marize Castro

AVISO

É perigoso, menina,
sair de casa
sem seu guarda-chuva
perolado
sem seu fogo mortífero
sem seu sexo
sempre aberto
aos apelos
do mundo.
É perigoso, menina,
se deixar para trás,
subir até a mais alta montanha
e de lá não se jogar.
É perigoso, menina,
(muito perigoso)
não parar de buscar
o paraíso
e se lambuzar de prazeres
alheios.
É perigoso, menina,
beijar a boca
de alguém tão mais velho
e se perder assim:
não mais saber
onde reside
a primeira luminância
a última escuridão.
É perigoso, menina,
acreditar na memória,
jogar-se de tal altura
inflar-se de clichês
quebrar suas tão jovens
asas

e não cair.

É perigoso, menina,
proteger-se e se armar demais
querer o outro, ser o outro
– habitar o inabitável.


Marize Castro

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Dylan Thomas

Não entres docilmente nessa noite serena,
porque a velhice deveria arder e delirar no termo do dia;
odeia, odeia a luz que começa a morrer.
No fim, ainda que os sábios aceitem as trevas,...
porque se esgotou o raio nas suas palavras, eles
não entram docilmente nessa noite serena.

Homens bons que clamaram, ao passar a última onda, como podia
o brilho das suas frágeis ações ter dançado na baia verde,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.
E os loucos que colheram e cantaram o vôo do sol
e aprenderam, muito tarde, como o feriram no seu caminho,
não entram docilmente nessa noite serena.
Junto da morte, homens graves que vedes com um olhar que cega
quanto os olhos cegos fulgiriam como meteoros e seriam alegres,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.
E de longe, meu pai, peço-te que nessa altura sombria
venhas beijar ou amaldiçoar-me com as tuas cruéis lágrimas.
Não entres docilmente nessa noite serena.
Odeia, odeia a luz que começa a morrer.
Dylan Thomas
Tradução: Fernando Guimarães
Ouvir aqui uma leitura do autor do poema:
 
 
 
Os créditos são de Carlão.Foi do facebook dele q pesquei.

terça-feira, 14 de abril de 2015

MANUEL ANTÓNIO PINA

ESPLANADA

Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares....
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.

MANUEL ANTÓNIO PINA

MÁRIO CESARINY

LEMBRA-TE

Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram...
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos

MÁRIO CESARINY

MARIO BENEDETTI

DEFESA DA ALEGRIA

Defender a alegria como uma trincheira
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis...
das ausências transitórias
e das definitivas

defender a alegria como um princípio
defendê-la do pasmo e dos pesadelos
dos neutros e dos nêutrons
das doces infâmias
e dos graves diagnósticos

defender a alegria com uma bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingênuos e dos canalhas
da retórica e da parada cardíaca
das endemias e das academias

defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
do descanso e do cansaço
da obrigação da alegria

defender a alegria como uma certeza
defendê-la da ferrugem e da sarna
da célebre pátina do tempo
do relento e do oportunismo
dos rufiões do riso

defender a alegria como um direito
defendê-la de deus e do inverno
das maiúsculas e da morte
dos sobrenomes e das lástimas
do acaso
e também da alegria

MARIO BENEDETTI

Tradução: Fabiano Calixto

WALLACE STEVENS

O REI DO SORVETE

Chame o enrolador de grandes charutos,
Aquele dobrado, e diga-lhe que bata
Os coalhos concupiscentes nas xícaras da cozinha....
Que as gurias zaranzem nos vestidos
Habituais, e os rapazes tragam flores
Em cartuchos de jornais do mês passados.
Que ser seja o final de parecer.
Só há um rei e esse é o rei do sorvete.

Tire da cômoda de pinho,
Que já perdeu três puxadores de vidro, aquele lençol
Que ela bordou um dia com caudas de pavão
E estenda-o de modo a cobrir-lhe o rosto.
Se um pé unhudo sair para fora, é
Para mostrar como ela está fria, como está muda.
Que a lâmpada afixe o seu filete.
Só há um rei e esse é o rei do sorvete.

WALLACE STEVENS

# Tradução: Décio Pignatari

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Marcio Araujo

apocalipse smith

Estrela final que
chamamos de absinto
desculpe. Tropecei,
e a terça parte das águas tornou-se em absinto

minha mão caiu sobre a Dele
e muitos homens morreram
Ele falou em seguir


 
todos os guerreiros
se tornaram amargos
agora jogam com estranhos
E é tão fácil transformar tudo



patti smith
apocalipse:8;11

sexta-feira, 13 de março de 2015

Pouso

tão lento
quanto

possível agora
pousar o olhar

na parte acesa da rua
de onde

você surgirá agora
pela primeira

vez (ontem tempos
atrás amanhã

antes do sol que se agora)
como se

agora apenas
retornasse

para
(1) esta casa

(2) este corpo e
(3) a alegria

que sempre
agora

lembra
seu nome

Ricardo Aleixo


terça-feira, 10 de março de 2015

António Lobo Antunes

Há momentos e situações em que o olhar comunica mais que as palavras, isso também é intimidade. Creio que sou capaz de dizer muitas cosas sem falar, é o outro que também tem de compreender e de saber interpretar. Quando se estabelece essa relação de intimidade e de amizade, não é necessário falar. (...) Frequentemente é melhor não o fazer porque as palavras estão muito gastas.

António Lobo Antunes

domingo, 8 de março de 2015

Fragmento da biografia de ilustre personagem

01/03/2010 11:31:00
Fragmento da biografia de ilustre personagem



Por Marina Bueno Cardoso
Década de 70. Estudante universitária de jornalismo trabalhava na Varig como balconista, era meu primeiro emprego. Endereço da loja: Ipiranga com São João, era personificação da loja Sampa. Hora do almoço, para compensar a neura do centrão, procurava vasculhar redondeza, fazendo trabalho de fotografia na boca do lixo, com as fachadas dos strip-teases das Ruas Aurora e Vitória, curtindo os discos nas Grandes Galerias, o movimento black dos office-boys da época, que faziam altos penteados nos cabelereiros de lá. Mas minha grande fascinação eram os sebos, especialmente o do Licurgo. Vasculhava e ficava babando com raridades e a vontade de comprar tudo.
        Dia daqueles fui como sempre com meu uniforme de aeromoça terrestre no sebo dos sábios em busca de alguma Revista de Antropofagia. Afinal, como seria formato, diagramação, conteúdo... Por favor, será que o senhor sabe quem tem alguma Revista de Antropofagia? Sei que é muito rara, mas gostaria de xerocar, ou só ver como é. O atendente respondeu: olha, aquele senhor lá perto da porta talvez possa te ajudar, eu acho que ele tem.
       
O homem lembrava meu avô, um pouco mais jovem, de terno cinza, gravata escura e óculos. Estava todo entretido folheando um livro quando me aproximei tímida: desculpe-me, o moço falou que talvez o senhor tenha algum exemplar da Revista de Antropofagia. O senhor fechou o livro e respondeu com outra pergunta: - Mas qual o seu interesse no assunto? Explicou-lhe que os modernistas chamavam sua atenção, e que de tanto ouvir falar no movimento e nos autores, tinha grande curiosidade em conhecer a famosa Revista. - Você trabalha na Varig estou vendo. O que você estuda? -Jornalismo. Olha moça eu tenho a Revista... Não deixei que ele terminasse, estava eufórica: mas então vamos fazer um negócio, o senhor tira xerox que eu pago e vou buscar na sua casa, combinado? Vamos fazer o inverso moça, me dê seu endereço e eu vou ver como podemos fazer melhor.
       
Sai frustrada. Não foi desta vez. Pô o cara bem que podia ser legal, o que custava eu ia pagar o xerox mesmo? É tem gente que não empresta livro nem para xerocar. Está certo a coisa é rara, mas só uma olhadinha não ia matar.
       
Passados três dias, volto do trabalho para o banho rápido e ir para a faculdade. Um pacotão com um cartão em seu nome a esperava. Minha mãe: - Deixaram isto para você, o que será? Presente eihn... Ela abriu: era não só a Revista de Antropofagia em edição fac-similar, como também o Manifesto Verde. Deu um grito, - foi ele... foi ele... lembrando-se do senhor do sebo. A mãe: - Abre logo o envelope, ele quem? - Não sei o nome mas era do jeito do vovô. Leu o cartão, “para Marina conforme o combinado um abraço, José Mindlin”. A mãe: - Você é metida mesmo, você sabia com quem estava falando? - Não..., mas... que vergonha... ah ele é muito legal. Imagine que eu pedi para pagar xerox... nem sabia que ele era ele e ele, o próprio me mandou tudo isto.
       
Simplicidade e generosidade foram os primeiros traços que conheci no parêntese da biografia de José Mindlin, antes de tudo um ilustre personagem na vida de uma balconista da Varig e estudante de jornalismo curiosa e distraída.

Marina Bueno Cardoso é cronista nesta urbe sinistra que São Paulo revela para quem quiser, Marina mantém o faro fino para observar personagens e fatos que fazem a cidade acontecer , revelando suas faces às vezes brutais e outras poéticas. Entre 1991 e 1992 colaborou com crônicas no Jornal da Tarde, de São Paulo. No momento, finaliza um livro de crônicas não datadas sobre a cidade e outro sobre relacionamentos conjugais, na sua maioria esdrúxulos, como acontecem pela vida. É jornalista e trabalha com Assessoria de Comunicação. Aguardem seu blog “Urbe Sinistra”, em construção. E-mail: marinacardoso@uol.com.br

http://cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=4435

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Bruna Beber

10. o pecúlio

estou sempre indo ao seu encontro
chego de costas pra você achar que estou indo embora
saio de frente pra você achar que estou chegando
estou sempre perdido indo ao seu encontro

é assim a minha vida e o meu calendário
eu estou sempre indo ao seu encontro
não preciso ir mais longe pra saber
que estou sempre indo ao seu encontro.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Respeite o esquisitão

Me libertei, já tem um tempo, de ser um jovem "play feliz". Aquele tipo animadão que aluga casa na Bahia, agita a galera pra ir junto e administra a felicidade como se fosse uma empresa em risco e ele, um diretor de marketing louco por promoção. Praia do Espelho, por exemplo, é um dos lugares mais lindos que conheço, mas estive lá em outubro, fora de temporada, quando os quartos custam o que devem custar, a passagem custa o que posso pagar e o sol não é disputado a chinelos com strass nem por melhoooores amiiiiigas esticando os bracinhos com tatuagem de estrelinha para selfies "foi-um-fã-sem-noção-que-tirou-essa-foto-em-um-momento-totalmente-displicente-meu" e música eletrônica.
Não sou deprimida, não sou preconceituosa (só com quem fala muito alto, fala muito, fuma na minha cara, acha que timidez é desculpa pra ser mal-educado e usa camiseta com número aveludado), mas sou esquisita. Tenho pavor de lugar muito lotado e esse não é um comentário reaça mala do tipo "ui, ui, ui, quero o avião só pra mim e não pro meu porteiro". É apenas uma questão de pressão baixa e hipoglicemia (meu passar mal, só pra manter o mistério, ora faz doce, ora salgado). Ou tenho a absoluta certeza de que cantinhos aconchegantes com acesso rápido a geladeiras ou serviços me espreitam 24 horas por dia ou não faço as malas.
Consegui descolar uma pousada, a pouco mais de duas horas de casa, que tem (apenas dez) chalés bem afastados e que fica em meio à mata atlântica. Acompanhada de macacos, esquilos e lagartões, estou bem longe da histeria claustrofóbica de quem acha que estar na praia é sinônimo de "ter dado certo na vida" ou ser um cara que sabe melhor do que ninguém celebrar a existência (ele e um milhão de pessoas se achando tão sábios e exclusivos).
Tenho horror (e já devo ter escrito sobre isso umas milhares de vezes) do aeroporto lotado de gente querendo descansar e ser feliz. Da estrada lotada de gente querendo descansar e ser feliz. Da praia lotada de gente tentando descansar e ser feliz. Ninguém descansa e é feliz onde milhares de pessoas tentam descansar e ser feliz. Ninguém descansa tentando ser feliz. Ninguém é feliz.
A intenção era travar intimidade, ainda que a contragosto, apenas com borrachudos, mas ontem fui surpreendida (aterrorizada) por uma festinha com música ao vivo no restaurante do hotel. Chamaram um rapaz especializado em MPB, mas era muito pouco Caetano pra muito (muito) Jota Quest. Chamaram um tiozinho pra tirar fotos dos pobres hóspedes em momento virada do ano (muito provavelmente as fotos de 27 esquisitões que só queriam jantar vão estar no site da pousada, estimulando outros 27 esquisitões a não virem o ano que vem... "Olha, tem festa, não venham!").
Surpresinhas escondidas faziam os hóspedes "se enturmar" e a dona da pousada estava feliz por promover essa bondosa inclusão (e eu passei a noite inteira querendo mandar um sincerão: "Dona, se a pessoa deixa de passar com a família e com os amigos e vem se isolar nesse meio do mato, não estaria ela querendo, apenas, chafurdar na solidão e ser estranhona em paz?).
O fato é: ninguém respeita a alegria do esquisito. Sim, existe foguinho interno em nosso silêncio observador (crítico) e em nossa tensão pré-suicida (angústia). Os "play feliz" acreditam que somos almas precisando de resgate. Que uma piada fraca ou uma mãozinha nos puxando pra pista de dança são como sopões quentes pra nossos corações mendigos e nossas pobres mentes perturbadas. Parem com tanta benevolência! Com esse ar de "sou tão superior e iluminado que sou amigão dos infelizes". Somos apenas cínicos e estamos rindo de vocês.

Tati Bernardi

Fim da pausa.

Em setembro fiz uma pausa no blog.Campanha política e tendo uma irma candidata não tinha como conciliar as postagens com a campanha.Finalmente deu tudo certo,elegemos a primeira senadora de  origem popular do RN.Foi uma luta grande,bonita,emocionante.Hoje retomo as postagens,estava sentido falta,aqui e meu cantinho poético,onde sem pretensões posto o que me sensibiliza e me toca o coração.