Me libertei, já tem um tempo, de ser um jovem "play feliz". Aquele tipo animadão que aluga casa na Bahia, agita a galera pra ir junto e administra a felicidade como se fosse uma empresa em risco e ele, um diretor de marketing louco por promoção. Praia do Espelho, por exemplo, é um dos lugares mais lindos que conheço, mas estive lá em outubro, fora de temporada, quando os quartos custam o que devem custar, a passagem custa o que posso pagar e o sol não é disputado a chinelos com strass nem por melhoooores amiiiiigas esticando os bracinhos com tatuagem de estrelinha para selfies "foi-um-fã-sem-noção-que-tirou-essa-foto-em-um-momento-totalmente-displicente-meu" e música eletrônica.
Não sou deprimida, não sou preconceituosa (só com quem fala muito alto, fala muito, fuma na minha cara, acha que timidez é desculpa pra ser mal-educado e usa camiseta com número aveludado), mas sou esquisita. Tenho pavor de lugar muito lotado e esse não é um comentário reaça mala do tipo "ui, ui, ui, quero o avião só pra mim e não pro meu porteiro". É apenas uma questão de pressão baixa e hipoglicemia (meu passar mal, só pra manter o mistério, ora faz doce, ora salgado). Ou tenho a absoluta certeza de que cantinhos aconchegantes com acesso rápido a geladeiras ou serviços me espreitam 24 horas por dia ou não faço as malas.
Consegui descolar uma pousada, a pouco mais de duas horas de casa, que tem (apenas dez) chalés bem afastados e que fica em meio à mata atlântica. Acompanhada de macacos, esquilos e lagartões, estou bem longe da histeria claustrofóbica de quem acha que estar na praia é sinônimo de "ter dado certo na vida" ou ser um cara que sabe melhor do que ninguém celebrar a existência (ele e um milhão de pessoas se achando tão sábios e exclusivos).
Tenho horror (e já devo ter escrito sobre isso umas milhares de vezes) do aeroporto lotado de gente querendo descansar e ser feliz. Da estrada lotada de gente querendo descansar e ser feliz. Da praia lotada de gente tentando descansar e ser feliz. Ninguém descansa e é feliz onde milhares de pessoas tentam descansar e ser feliz. Ninguém descansa tentando ser feliz. Ninguém é feliz.
A intenção era travar intimidade, ainda que a contragosto, apenas com borrachudos, mas ontem fui surpreendida (aterrorizada) por uma festinha com música ao vivo no restaurante do hotel. Chamaram um rapaz especializado em MPB, mas era muito pouco Caetano pra muito (muito) Jota Quest. Chamaram um tiozinho pra tirar fotos dos pobres hóspedes em momento virada do ano (muito provavelmente as fotos de 27 esquisitões que só queriam jantar vão estar no site da pousada, estimulando outros 27 esquisitões a não virem o ano que vem... "Olha, tem festa, não venham!").
Surpresinhas escondidas faziam os hóspedes "se enturmar" e a dona da pousada estava feliz por promover essa bondosa inclusão (e eu passei a noite inteira querendo mandar um sincerão: "Dona, se a pessoa deixa de passar com a família e com os amigos e vem se isolar nesse meio do mato, não estaria ela querendo, apenas, chafurdar na solidão e ser estranhona em paz?).
O fato é: ninguém respeita a alegria do esquisito. Sim, existe foguinho interno em nosso silêncio observador (crítico) e em nossa tensão pré-suicida (angústia). Os "play feliz" acreditam que somos almas precisando de resgate. Que uma piada fraca ou uma mãozinha nos puxando pra pista de dança são como sopões quentes pra nossos corações mendigos e nossas pobres mentes perturbadas. Parem com tanta benevolência! Com esse ar de "sou tão superior e iluminado que sou amigão dos infelizes". Somos apenas cínicos e estamos rindo de vocês.
Tati Bernardi
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