Nivaldete escreveu um dos melhores textos que li sobre o Natal,confiram:
sentindo um certo vazio melancólico, saiu discretamente da sala em que parentes bebiam, trocavam presentes e risadas, despejou na pia a segunda dose de uísque 12 anos, desarrumou o cabelo lambido de gel, arrancou a roupa de marca, vestiu uma camiseta velha, branca e bem passada, olhou a torta de bacalhau sobre a mesa da cozinha, os salgadinhos, o remédio para azia e dor de cabeça -que o pai certamente tomaria às 10 da manhã-, quis levar a torta, mas achou dispensável -a quem a daria?-, quis se vestir de papai noel, palhaço ou bicho e também desistiu -para quem iria assim se mostrar?-, pensou em comprar a algum camelô solitário todo o seu estoque de presentinhos made in china para dar a quem lhe parecesse necessitado, e de novo abriu mão de mais uma ideia, que não fazia questão de encontrar ninguém, talvez nem a si próprio.
Enfim, saiu de mansinho pela porta de serviço e ganhou a rua. Foi andando, andando, e três quarteirões depois percebeu que trazia a sacola com os presente que ganhara, então abandonou-a num banco de praça e continuou andando. Subiu na primeira passarela e, não havendo qualquer transeunte além dele, parou para contemplar a cidade, que estava se acalmando como um animal que começa a recolher seus barulhos e seus botões de luz corrente. Depois olhou o céu, a lua cheia, os tufos de nuvens lembrando o algodão-doce da infância. Deitou-se na passarela com as mãos cruzadas sob a cabeça e continuou mirando a lua, as nuvens, e foi ficando agradavelmente tonto. Em casa, pensou, se estivessem todos bêbados ninguém notaria sua ausência. Se notassem, iriam ao seu quarto e veriam o cobertor sobre os travesseiros e pensariam que ele estava dormindo. Claro, no dia seguinte o chamariam de descortês. Mas, pela primeira vez, tinha sido gentil com seu espírito.
adormeceu e acordou com o sol no rosto.
e viu: um papai noel de papelão, trazido pelo vento, e que devia ter passado a noite lhe fazendo companhia, acabava de sair voando pelo gradil da passarela.
um menino, desses chamados 'de rua', medalhas de sujo pelo peito, apareceu, rasgou o pão que trazia e lhe ofereceu dizendo come, que é bom.
Postado por nivaldete ferreira .
Um comentário:
A foto é maravilhosa!... Obrigada!
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