Ela é uma amiga recente. Tem três filhos, sendo que um deles possui uma síndrome rara. É uma criança especial, como se diz. Acabei de ouvi-la palestrar a respeito de como é o envolvimento de uma mãe com um ser que necessita de tanta atenção. Eu estava preparada para ouvir um chororô, e não a acusaria, ela teria todo o direito se. Mas o “se” não veio.
O que vi foi uma mulher comovente e leve ao mesmo tempo, recorrendo ao humor para segurar a onda e para não se desconectar de si mesma. Ela deu uma choradinha, sim, mas de pura emoção e gratidão por passar por essa experiência que dá a ela e a esse filho uma cumplicidade também fora do comum. Quando ela terminou de falar, pensei: “Essa é da minha turma”.
E silenciosamente a inseri no rol dos meus afetos verdadeiros. Estranhei ter sido essa a expressão que me ocorreu, “minha turma”, e só então percebi que, durante a vida, a gente conhece um mundaréu de pessoas, estabelece variadas trocas de impressões, passeia por outras tribos e tal.
São homens e mulheres que chegam bem perto do nosso epicentro, nem sempre por escolha, mas porque são parentes de alguém, conhecidos de não sei quem, e que acabam sendo agregados à nossa agenda do celular. Até que o tempo vai mostrando uma dissimulação aqui, uma maldade ali, uma energia pesada, e você se dá conta de que alguns não são da sua turma.
Da série “Coisas que a gente aprende com o passar dos anos”: abra-se para o novo, mas na hora da intimidade, do papo reto, da confiança, procure sua turma. É fácil reconhecer os integrantes dessa comunidade: são aqueles que falam a sua língua, enxergam o que você vê, entendem o que você nem verbalizou.
São aqueles que acham graça das mesmas coisas, que saltam juntos para a transcendência, que possuem o mesmo repertório. São aqueles que não necessitam de legendas, que estão na mesma sintonia, e cujo histórico bate com o seu. Sua turma é sua ressonância, sua clonagem, é você acrescida e valorizada. Sua turma não exige nota de rodapé nem resposta na última página. Sua turma equaliza, não é fator de desgaste. Com ela você dança no mesmo compasso, desliza, cresce, se expande. Sua turma é sua outra família, aquela, escolhida.
Não tenho mais paciência com o que me exige atuação, com quem me obriga a usar palavras em excesso para ser compreendida. Não tenho mais energia para o rapapé, para o rococó, para o servilismo cortês, para o mise-en-scène social. Não tenho motivo para ser quem não sou, para adaptações de última hora, para adequações tiradas da manga. Não quero mais frequentar estranhos, em cujas piadas não vejo a mínima graça.
Não quero mais ser apresentada, muito prazer, e daí por diante ter que dissecar minha árvore genealógica, me explicar em nome dos meus tataravôs, defender posições que me farão passar por boa moça. Não quero mais ser uma convidada surpresa. Se você mandar eu procurar minha turma, acredite, tomarei como carinho.
Um comentário:
Hoje eu estava sim, meio perdida, com dificuldade de concentração. Pensei, vou passear nos blogs q me fazem bem. Como sempre, tive gratas surpresas aqui. Lindo o texto de Martha Medeiros sobre a minha turma. Tião vai adorar. Ele gosta de dizer "minha rua". abs. Rejane Medeiros
Postar um comentário