CAJUEIRO - Rubem Braga
O
cajueiro já devia ser velho quando nasci. Ele vive nas mais antigas
recordações de minha infância: belo, imenso, no alto do morro, atrás de
casa. Agora vem uma carta dizendo que ele caiu.
Eu me lembro do
outro cajueiro que era menor, e morreu há muito mais tempo. Eu me
lembro dos pés de pinha, do cajá-manga, da grande touceira de
espadas-de-são-jorge (que nós chamávamos simplesmente "tala") e da alta
saboneteira que era nossa alegria e a cobiça de toda a meninada do
bairro porque fornecia centenas de bolas pretas para o jogo de gude.
Lembro-me da tamareira, e de tantos arbustos e folhagens coloridas,
lembro-me da parreira que cobria o caramanchão, e dos canteiros de
flores humildes, "beijos", violetas. Tudo sumira; mas o grande pé de
fruta-pão ao lado de casa e o imenso cajueiro lá no alto eram como
árvores sagradas protegendo a família. Cada menino que ia crescendo ia
aprendendo o jeito de seu tronco, a cica de seu fruto, o lugar melhor
para apoiar o pé e subir pelo cajueiro acima, ver de lá o telhado das
casas do outro lado e os morros além, sentir o leve balanceio na brisa
da tarde.
No último verão ainda o vi; estava como sempre
carregado de frutos amarelos, trêmulo de sanhaços. Chovera; mas assim
mesmo fiz questão de que Carybé subisse o morro para vê-lo de perto,
como quem apresenta a um amigo de outras terras um parente muito
querido.
A carta de minha irmã mais moça diz que ele caiu numa
tarde de ventania, num fragor tremendo pela ribanceira; e caiu meio de
lado, como se não quisesse quebrar o telhado de nossa velha casa. Diz
que passou o dia abatida, pensando em nossa mãe, em nosso pai, em nossos
irmãos que já morreram. Diz que seus filhos pequenos se assustaram; mas
depois foram brincar nos galhos tombados.
Foi agora, em fins de setembro. Estava carregado de flores.
Setembro, 1954
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