sexta-feira, 8 de agosto de 2014

RESTOS DE ESTÚDIO

RESTOS DE ESTÚDIO

Cada cigarro fumado na madrugada fria do posto
de uma cidadezinha absurda qualquer
durante a parada do ônibus.
Quantas imagens apodrecidas
na garganta seca das descrições,
canções que não chegaram a tempo.

Quantos dentes pintados de preto
nos retratos sérios dos livros de História,
tanto amor que virou desespero.
Cada silêncio perdido no grito,
tantos cacos de vidro em cima dos muros,
como se eu mesmo os tivesse escrito.

Quantos versos criados a bordo e não anotados,
tanto rancor latejando
na mudez de socos não redigidos,
tanta fita cassete e as gargalhadas
de todos os loucos
espanando o sublime do mundo.
Quantas giletes cuspidas de um pulso,

tanto caderno novo começado,
quantas falas roubadas de amigos,
tantos pântanos não soletrados.
Quanta inocência colhida em varandas de abismos
que eu carrego comigo
como um tesouro afundado.

Marcelo Montenegro
[in "Garagem Lírica", Annablume, SP, 2012]

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