sábado, 9 de julho de 2011

Separação


Desmontar a casa e o amor.
Despregar os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas após a tempestade
das conversas.

O amor não resistiu às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.

Empilhar livros, quadros, discos e remorsos.
Esperar o infernal juízo final do desamor.

Vizinhos se assustam de manhã ante os destroços junto à porta:
-pareciam se amar tanto!

Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.

Amou-se um certo modo de despir-se de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo modo de botar a mesa.
Amou-se um certo modo de amar.

No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas,
tropas de insultos malas desesperadas, soluços embargados.

Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?

No quarto dos filhos outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem numa
colagem de afetos natimortos.

O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.

Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?

Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa mais que uma mala de chumbo.


Por Affonso Romano de Sant'ana

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