terça-feira, 26 de julho de 2011

são sebastião


Nel Meirelles

as ruas
me atravessam

as esquinas
guardam meus pedaços

as largas avenidas
amaciam meus passos

o sol do arpoador
me descobre a alma

bangu, campo grande, realengo
são trilhas de longas caminhadas

tijuca, ipanema e são cristóvão
canções de todos os carnavais

e minha mangueira
plantada no alto do morro
é a alma desse rio de janeiro
que vive e revive em mim

sábado, 23 de julho de 2011

GERAÇÃO 60



a carta branca do montilla
não era de alforria.
o papagaio era calado.
o cuba-libre nos prendia.
e em barris de carvalho
o tempo envilecia.

sérgio de castro pinto


A belíssima foto é do fotógrafo potiguar João Maria.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Aniversário


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Versos escritos por Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos, em 1929.

sábado, 9 de julho de 2011

Separação


Desmontar a casa e o amor.
Despregar os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas após a tempestade
das conversas.

O amor não resistiu às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.

Empilhar livros, quadros, discos e remorsos.
Esperar o infernal juízo final do desamor.

Vizinhos se assustam de manhã ante os destroços junto à porta:
-pareciam se amar tanto!

Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.

Amou-se um certo modo de despir-se de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo modo de botar a mesa.
Amou-se um certo modo de amar.

No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas,
tropas de insultos malas desesperadas, soluços embargados.

Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?

No quarto dos filhos outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem numa
colagem de afetos natimortos.

O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.

Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?

Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa mais que uma mala de chumbo.


Por Affonso Romano de Sant'ana

terça-feira, 5 de julho de 2011

Sorriso Maroto


Sabe? Nesses tempos meio desesperançados, meio doidos e doídos, preciso fazer uma confissão pública: tenho inveja de quem não tem seguidor, não defende uma reputação, não segue qualquer escola de pensamento, não se filiou a um partido político, não precisa vestir paletó (fato, irmãos portugueses), não guarda dinheiro na poupança, não tem eira nem beira.
Puxa, como deve ser gostoso sentar e escrever o que quiser sem precisar explicar que continua coerente com o que redigiu há seis anos. Quando crescer ainda vou ser um anarquista! E quando morrer quero que o meu céu seja bem bagunçado, cheio de gente conversando, lotado de mesas desarrumadas e sem etiqueta social. Quero ser recebido por um anjo com a camisa para fora das calças e de chinelo. (Lá, vou palitar meus dentes sem cobrir a boca).
Penso em começar a escrever usando um pseudônimo. Talvez eu vá me chamar de “Zé Alguma Coisa” – ou talvez opte por um nome árabe, já que os escritores de lá ganham muito dinheiro empinando pipas. Se algum dia eu me tornar um “Zé Alguma Coisa” vou anarquizar com todo mundo, começando por mim mesmo e elogiar os que não merecerem.
Quero ter a liberdade de xingar as imbecilidades religiosas, falar de perdão para os piores pecadores e oferecer esperança para os tipos mais estranhos. Para isso, vou valer-me de metáforas insanas e de argumentos bem absurdos.
Prometo assumir minha legítima verve cearense. Ainda vou tornar-me um repentista, comediante ou romancista regionalista. Ambiciono transitar desde o José de Alencar até o Tiririca. Ora, na minha terra, que é seca, até o sol é vaiado quando rompe com as nuvens e estraga a perspectiva da chuva. Sendo assim, espero poder vaiar quem eu quiser - inclusive a mim mesmo.
Vou apupar os professores que papagaiam teologias sistemáticas redondinhas, copiadas de compêndios fundamentalistas da década de 1940. (acontece que já não agüento teorias que mostram um Javé sanguinário, que antes das pessoas nascerem, as condenou ao fogo eterno); vou zombar dos “levitas” emplumados que tentam parecer com os artistas da Globo; vou rir dos “apóstolos”, especialistas em curar caroços do corpo.
Ainda hei de voltar a dormir com meu sorriso maroto da adolescência - chega de cenhos franzidos. Sinto que a vida tem que ser levada mais na esportiva, na “maciota” como dizem os boêmios, e é assim que almejo encarar meus últimos dias: sem a sofreguidão dos austeros ambientes farisáicos.
Ah, como tenho ciúmes de quem se rodeia de amigos que sabem fazer batucada na mesa, transformando cada refeição numa gostosa farra enquanto se abraçam publicamente.
Quero aprender a usar a vida como argamassa para minha pobre poesia. E se alguém rotular-me de maluco, responder com uma gostosa risada; se avisar que perdi o senso, aplaudir; se advertir que caminho para a perdição eterna, agradecer com um beijo na testa.
Sem lenço, sem documento, sem peso nos ombros e sem culpas persecutórias, vou assumir minha Ricardice - dizem que isso previne vários tipos de câncer.
Soli Deo Gloria.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Mudança dos Ventos - Nana Caymmi.wmv



Mudança dos Ventos
Nov

11

Ivan Lins & Vitor Martins
Canta: Nana Caymmi
Ah, vem cá, meu menino
Pinta e borda comigo
Me revista, me excita
Me deixa mais bonita

Ah, vem cá, meu menino
Do jeito que imagino
Me tira essa canseira
Me tira essas olheiras
De esperar tanto tempo
A mudança dos ventos
Pra me sentir com forças
Prá me sentir mais moça

Ah, vem cá, meu menino
Pinta e borda comigo
Me revista, me excita
Me deixa mais bonita

Ah, vem cá, meu menino
Do jeito que imagino
Me tira essa vergonha
Me mostre, me exponha
Me tire uns 20 anos
Deixa eu causar inveja
Deixa eu causar remorsos
Nos meus, nos seus, nos nossos...