sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Marla de Queiroz

Vai, menina. Desabotoa essa raiva, rasga essa angústia, berra tua indignação. Mas preserve seu coração deste veneno. Não intoxique seu sorriso com essa dor. Chore as lágrimas mais honestas que estiverem embargando tua voz, enrugando tua face, mas livre-se deste entrave.
Vai, menina. O mundo não magoou você, mas o egoísmo arranjou uma brecha para te atingir, reposicione-se, retome suas forças, empurre este inverno para bem longe daqui. Não vês que doer não é pecado¿ Mas abra espaço para respirar, você ainda pode dançar e crescer. Você ainda pode permanecer onde está ou desaparecer. Você pode fazer tudo o que for cura para tua tristeza. Mas não a envolva nesta tua delicadeza.

Vai, menina, grite para o vento que já doeu demais, que você quer viver agora outro momento.

Marla de Queiroz

domingo, 25 de agosto de 2013

Lembrança


Por Aécio Cândido
Resta de ti a saudade,
gasosamente infiltrada
em todos os espaços da casa;
resta de ti o eco doloroso
de tua voz batendo insistentemente
nas paredes descolando do cérebro
lembranças entranhadas.
Resta na sala,
no jardim,
em tudo acesamente,
tua presença escorregadia
vagando indiferente
à tempestades dos meus olhos.

Aécio Cândido é professor, ator, poeta e atual vice-reitor da Universidade do Estado do RN (UERN)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Ana Rusche




O Grande Plugue


À nossa geração nunca nos foi permitido ver o mar pela primeira vez.
Ele sempre esteve adentro, reluzente, o grande igual que nós mesmos

Rogamos tanto às noites que se faça novamente o escuro
mas quando as preces são atendidas
é só uma ilusão dos trouxas, uma ardentia nos olhos e
o mar esbraveja aqui dentro, monstro comedor de rocha
Já nascemos umas baleias mórbidas
pobres diabas afogadas neste papel de luz
E é tão mesquinho de pequeno o desejo

A gente só queria ver o maldito mar
por favor,
pela primeira vez.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Ledo Ivo

ASILO SANTA LEOPOLDINA
Todos os dias volto a Maceió.
Chego nos navios desaparecidos, nos trens
[ sedentos,
[nos aviões cegos que só aterrizam ao anoitecer.
Nos coretos das praças brancas passeiam
[ caranguejos.
Entre as pedras das ruas escorrem rios de açúcar
fluindo docemente dos sacos armazenados nos
[ trapiches
e clareiam o sangue velho dos assassinados.
Assim que desembarco tomo o caminho do
[ hospício.
Na cidade em que meus ancestrais repousam em
[cemitérios marinhos
só os loucos de minha infância continuam vivos e
[à minha espera.
Todos me reconhecem e me saúdam com
[ grunhidos
e gestos obscenos ou espalhafatosos.
Perto, no quartel, a corneta que chia
separa o pôr-do-sol da noite estrelada.
Os loucos langorosos dançam e cantam entre
[ as grades.
Aleluia! Aleluia! Além da piedade
a ordem do mundo fulge como uma espada.
E o vento do mar oceano enche os meus olhos
[ de lágrimas.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Lúcio Lins


SEM TÍTULO


Senhor
sou eu
este infante
ou corsário louco
que vos tenta
a fala
trazendo nas mãos
as páginas
inda úmidas
doutras cartas
rasguei
todos os mares
depois de navegar
por mapas
náufrago de palavras
nunca dante navegadas
Senhor
vos digo mais
não existe mar
além do búzio
que tendes no peito
e no cais
nos espera
a mais antiga
das caravelas
(nosso barco de papel)