segunda-feira, 18 de junho de 2012

Baudelaire

"EMBRIAGUEM-SE
É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher".
Baudelaire

terça-feira, 12 de junho de 2012

Marcelo Montenegro

Filme
Você pede para eu apertar o pause
e vai ao banheiro
deixando ao meu lado
seu cheiro quente
no travesseiro amassado.
Penso por um segundo
no texto que fiquei de escrever
para uma revista de literatura.
“Se é possível conciliar experimentalismo formal
E lirismo na poesia”.
Ouço sua bunda
desgrudar-se da tampa
que bate seca
e levemente na privada.
A descarga, a torneira ligada,
imagino uma grande sequência.
(A preguiça tem algo de comovente nos dias úteis.)
Você volta ao quarto dizendo
-Está me dando uma fome!
enquanto rimos da pose engraçada
que o ator parou.
Antes de apertar o play
chego a esboçar que algumas pessoas
são incapazes
de tirar a poesia do sério.
(Marcelo Montenegro)

A foto é de Henri Cartier-Bresson

terça-feira, 5 de junho de 2012

Marla de Queiroz


"Feira Hippie, BH" Pintura de Jean Paulo
Não encontrei o mar revolto em Pessoa, mas vi em Hilda Hilst seu jeito destemido de ser tão obscena e obcecada. Não fui moça casadoira como Adélia Prado, eu me inseri na babilônia da lascívia de Anais Nin, entre a loucura, a delícia e a razão fantasiada. Eu quis salvar a vida de Ana C. que virou passarinho em Manoel de Barros. Estive com Clarice, Caio e Mia Couto, mas quis que Guimarães me amasse qual neblina Diadorim: faltou meu Riobaldo, um rio nosso, terra seca e a boca molhada de neologismos pra mulher amada.
(Fui quase injusta em desejar que as coisas tivessem sempre um real tamanho, que as fomes fossem saciadas sempre pelo melhor gosto, que a chuva só desabasse em tempos de matar a sede.) Tranquei meus dias ruins nas cores de um Miró aceso. Fui tão constrangedora não sendo infeliz como escritora, preferindo de qualquer maneira a incerteza da existência da verdade inteira. Se quase sucumbi num poço de tristeza, me reergo até hoje, constante e amiúde, fazendo o meu melhor_ fiz o maior que pude. Mas não me preservei: ainda sou lanhada pelos galhos de matas fechadas que são o meu altar, minha estrada.
Engulo o amargo da saudade sem fazer careta, absorvo o azedo da rejeição sem me achar menor, abro os braços para a escuridão contando estrelas, gasto cada gota de suor e sangue nas minhas entregas. E não economizo gargalhadas, mas pago o preço alto do inconveniente de viver no mundo paralelo e metafísico onde vivem as palavras.
Estive em muitas páginas. Grifei muitos parágrafos. Sorvi tantas inglórias e orgasmos e vitórias.
E estive com você além de mim. Fui burra, mas foi bom. Fui pura, mas fui tola. E toda a malícia vinda na hora inadequada me fez desconfiada por tudo, por nada.
Eu tenho um jeito enorme de amar pra sempre, mas sou desajeitada.
Eu tenho um jeito imenso de ser comovente, mas sempre concluo as histórias na hora errada.

Marla de Queiroz