sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

CleberCamargoRodrigues




tenho comigo, desde sempre
um limão que a limonada alcança
um papel em branco pro lápis sem ponta
um embornal lotado de saudades silenciosas.

um reencontro aqui, outro ali
um quilo e meio de certezas depois
redescobri que 'um gambá cheira o outro'
desde então, é meu coração quem desnuda os perfumes mais gostosos...

[ CleberCamargoRodrigues ]

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Bruna Beber



Situação
to domindo no lodo
da vala confortável onde dormem
os apaixonados
e lambendo sabão de cachorro
sorrindo, e sentindo cheiro de maçã
onde não tem
chamando os amigos pra almoçar
e deixando a comida esfriar
pra falar de você.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Ivo Barroso




Eliminei o excesso de paisagem
simplifiquei toda a decoração
retirei quadros flores ornamentos
apaguei as velas copos guardanapos
e a música
Bani a inutilidade do discurso
Na mesa de madeira
Nua
Apenas dois pratos
Sem talheres
O banquete será tua presença.

domingo, 16 de dezembro de 2012

NinaDValle‏




Em caso de faísca
Você molha o rastilho
De pólvora.
Olha,
Pode faltar tudo, menos coragem.
Não nessa idade.
Preciso ir, sair do frio,
Da sombra.
Um dia eu encontro
Quem engula meu fôlego.
Quem acenda o pavio.

(Foto:boate Arpege/Ribeira)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Walt Whitman




"Agora nos encontramos e olhamos,
estamos salvos,
retorna em paz ao oceano, meu amor,
também sou parte do oceano, meu amor,
não estamos assim tão separados,
...
olha a imensa curvatura,
a coesão de tudo tão perfeito!
Quanto a mim e a ti,
separa-nos o mar irresistível
levando-nos algum tempo afastados,
embora não possa afastar-nos sempre:
não fiques impaciente — um breve espaço
e fica certa de que eu saúdo o ar,
a terra e o oceano,
todos os dias ao pôr-do-sol
por tua amada causa, meu amor."

- Poema: Do Inquieto Oceano da Multidão, Walt Whitman, poeta americano (1819-1892)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

FERNANDO BRANT » Roda pião, bambeia pião‏






FERNANDO BRANT » Roda pião, bambeia pião‏




Estado de Minas: 12/12/2012
Estou na cozinha da casa de Vera Brant, cercado, como é de hábito, por gente sensível, inteligente e criativa. Lá fora, na noite, o flamboyant impera. Tenho ao meu lado, no melhor lugar de todas as casas, o maestro Jobim e Gonzaguinha. Diante de quem tem o que dizer, e pensa com profundidade mesmo as coisas do cotidiano, prefiro falar pouco e ouvir.

A cerveja molha as gargantas e os bolinhos de feijão nos alimentam. A música, a poesia, as pessoas e o mundo eram nossos assuntos e o tempo parecia não existir. Mas estou agora ouvindo uma seresta à frente de nossa casa, em Caldas, Minas Gerais, na véspera do dia em que meu pai, juiz da comarca, se despedia da cidade para assumir o mesmo cargo em Diamantina. As imagens são nubladas quando me lembro do ocorrido. Não tinha completado 5 anos. Ficaram os sons da saudade dos que ficavam e da gratidão dos que partiam.

E agora estou, de calças curtas e mirando o presente, pisando nas pedras capistranas do Tijuco com minhas sandálias de sola de pneu, que nunca acabam. Vou comprar a revista O Cruzeiro para meus pais e aproveito e adquiro o primeiro exemplar brasileiro da Luluzinha e sua turma.

O Zé Aparecido me leva para jantar com ele no Palácio dos Buritis. Eu e o Hildebrando Pontes nos surpreendemos com a presença iluminada e bem-humorada do Oscar Niemeyer. Foi uma alegria sem precedentes, dessas que só o Zé tinha capacidade e generosidade de oferecer aos amigos.

No Bar Scotelaro, em Belo Horizonte, rompo a madrugada bebendo cerveja com Dedé, Caetano Veloso e minhas irmãs Vina e Ana. Ali mesmo iniciara, numa noite de novembro, a comemoração pelo nascimento de minha primeira filha e, mais tarde, da segunda.

Com paletó do Toninho Horta, calça preta minha e gravata borboleta de não sei quem, subo ao palco do Maracanãzinho entupido de gente para, a seu lado, assistir ao meu parceiro, Milton Bituca do Nascimento, cantar a nossa Travessia, que abria todos os horizontes para nós.

No meio de todo esse rodopio temporal e geográfico, a memória me leva e traz pelos caminhos de minha existência. Não me lembro como começou nem sei como se encerrará. Mas aprendi muito, disso tenho certeza. Quando olho para os que me cercam, a vontade que tenho é de gritar ao mundo que é com afeto, compreensão, carinho que seremos saudáveis parceiros na construção de um mundo mais justo.

A consciência de que podemos conviver em harmonia e a sede de beleza que só a amizade, o amor e a cultura podem nos ofertar me embala a fazer rodar o pião que vai encantar as crianças do mundo.

domingo, 9 de dezembro de 2012

(poema vermelho – lau Siqueira)

 
 
 
resumo



misturo tudo
que penso e sinto
num mesmo precipício

olhos que sabem voar

certeza que nunca
retorna ao mesmo
tamanho

e sou essa imensa
eterna e lenta
mutação

um estranho
que aos poucos vai
tecendo as manhãs

(mas, isto é apenas
um resumo)

(poema vermelho – lau Siqueira)

sábado, 8 de dezembro de 2012

Leminski




Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.



quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Caio Fernando Abreu





"Respirou fundo. Morangos, mangas maduras, monóxido de carbono, pólen, jasmins nas varandas dos subúrbios. O vento jogou seus cabelos ruivos sobre a cara. Sacudiu a cabeça para afastá-los e saiu andando lenta em busca de uma rua sem carros, de uma rua com árvores, uma rua em silêncio onde pudesse caminhar devagar e sozinha até em casa. Sem pensar em nada, sem nenhuma amargura, nenhuma vaga saudade, rejeição, rancor ou melancolia. Nada por dentro e por fora além daquele quase-novembro, daquele sábado, daquele vento, daquele céu azul – daquela não-dor, afinal."
Caio Fernando Abreu em Estranhos Estrangeiros

domingo, 2 de dezembro de 2012

Nivaldete e Martha Medeiros



Hoje,data do aniversário de Nivaldete Ferreira,e nada mais apropriado e parecido com ela do que esse texto de Martha Medeiros.Parabéns,como diz os poetas da MBP: "Se todos fossem iguais a você/que maravilha viver..."




Zero Hora 02/12/2012

Sempre acreditei que, se eu quisesse transformar alguma coisa, teria antes que passar por uma racionalização profunda e, posteriormente, por uma compreensão dos fatos. Ou seja, primeiro, pensar bastante para, então, compreender.

Cumprindo essas duas etapas, atingiria a serenidade buscada, fosse nas questões amorosas, familiares, profissionais, existenciais. A compreensão, como num passe de mágica, soltaria os fios enovelados e só então eu poderia me modificar.

Acontece que pensar demais cansa. Afirmo com a experiência de uma maratonista cerebral: eu vivia sempre no módulo on, com o cérebro ligado na tomada, descansando só quando dormia, e ainda assim com um olho fechado e outro aberto. Se pensar conduzia à compreensão, bora pensar, para poder entender. Sem entender, acreditava que meu barco ficaria à deriva, noites e dias sob as intempéries, sem atracar em lugar algum.

Tanta coisa serve de cais: um casamento, uma promoção, uma cura, um projeto, uma bolada, um filho. Estamos sempre indo ao encontro de alguma coisa sensacional que ainda não sabemos o que é nem se iremos encontrar mesmo.

Pois, diante desse imenso ponto de interrogação que é o futuro de todos nós, reformulei minhas crenças: estou me dando o direito de não pensar tanto, de me cobrar menos ainda, e deixar para compreender depois. Desisti de atracar o barco e resolvi aproveitar a paisagem.

Primeiro mude, a compreensão virá depois. É mais ou menos o que a filosofia de Nietzche sugere. Ninguém muda apenas através do pensamento. A transformação meramente intelectual é uma presunção, não existe de fato. É preciso colocar o pensamento nas pernas e agir. O corpo é que nos leva para uma nova vida, e não a razão, diz o filósofo num texto chamado “A favor da crítica”.

Recentemente os integrantes do programa Saia Justa discutiram o que é drama e o que é tragédia, e chegaram à conclusão de que o drama te encarcera, enquanto a tragédia, por mais dolorosa que seja, te coloca em movimento: você sai dela diferente. Do drama você não sai: você fica remoendo, remoendo, remoendo. Excesso de racionalização engessa o sentimento e não te leva pra fora, pra frente.

De Nietzche a Saia Justa é um salto e tanto, reconheço, mas toda filosofia é bem-vinda, seja acadêmica ou de mesa de bar, de programa de tevê, de coluna de jornal. Estamos aqui para aquilo que os intelectuais rejeitam que se fale em público (mas falo baixinho: ser feliz). E a felicidade não é uma ilha paradisíaca onde nosso barco um dia atracará. A felicidade não é terra firme: ela é o próprio mar.

Passamos uma vida perseguindo a felicidade, sem reparar que ela está justamente na perseguição. O pensamento nas pernas. O movimento. A ação. Não há muito a compreender além disso.