quarta-feira, 16 de julho de 2014

Ana Paula Oliveira.

Deixou o raio
o quarto
o risco

e se foi com a dança
de apanhar gravetos

Deixou o raio
o quarto
o risco

E esse vício tão sublime
de brincar de abismos.

Ana Paula Oliveira.

terça-feira, 15 de julho de 2014

A Boa Manhã*

Apenas passo os olhos pelos jornais; jogo-os fora, alegremente, porque eles pretendem dar-me notícia de muitos problemas, e eu não tenho nem quero problema nenhum.

Acordei um pouco tarde, abri todas as janelas para o sábado louro e azul, e o mar me deu bom-dia. Passa um pequeno barco branco no mar de safira: como vai ligeiro, como vai contente, com seu bigodinho de espumas brilhantes! Uma ave se detém um instante peneirando, depois mergulha na vertical em grande estilo; quando volta, um pequeno peixe brilha em seu bico.

Chupo uma laranja, e isto me dá prazer. Estou contente. Estou contente da maneira mais simples – porque tomei banho e me sinto limpo, porque meus braços e pernas e pulmões funcionam bem; porque estou começando a ficar com fome e tenho comida quente para comer, água fresca para beber.

Nenhuma tristeza do mundo nem de meu passado me pega neste momento. Tenho prazer em ver que a Ilha Rasa está lá direitinha, em seu lugar, com o farol branco. Vejo ao longe, saindo da praia, dois amigos; estão conversando e rindo. Tomaram seu banho de mar, vão almoçar; estou contente porque os amigos vão bem e suas mulheres esperam crianças. Saúde e prosperidade! Estou contente porque recebi uma boa notícia. Nada de extraordinário, mas uma notícia muito simpática.

Sei que o mundo está cheio de horríveis problemas – e eu mesmo, pensando bem, tenho alguns bem chatos. Mas não estou pensando neles; estou vivendo nesta fresca manhã um momento de bem-estar, de felicidade.

Ora, considerando que a felicidade é uma suave falta de assunto, eu me despeço de todos com um cordial bom-dia e vou almoçar. Não quero contar prosa, mas tenho arroz, feijão, carne, alface, laranja, pão, tudo o que um ser humano necessita para viver bem.

Um velho amigo vem honrar a minha mesa; falaremos com simpatia das mulheres bonitas desta formosa capital. Conversa de brasileiros! Bom dia, passem bem todos com suas mulheres, com seus amigos, com suas amantes também.




(*) In, Rubem Braga. 200 crônicas escolhidas. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 118


segunda-feira, 7 de julho de 2014

Marcelo Montenegro

AURÉOLAS EM LATAS DE BISCOITO

Comprar jornal na esquina e na volta
conferir a caixa postal telefônica. Morder o
ponto do dente onde já se sabe que a dor
dói com exatidão. Guardar dinheiro antigo
na carteira. Olhar as lombadas dos livros
numa estante desconhecida à espera de
alguém. Errar as medidas do café fora de
casa. Estar perto de perceber alguma
coisa. Encantar-se com parques de
diversão desativados. Pisar de meia no
quintal molhado pela chuva de ontem.

Marcelo Montenegro
[in "Garagem Lírica", Annablume, SP, 2012]