domingo, 28 de fevereiro de 2010

eu durmo comigo


eu durmo comigo


eu durmo comigo/ de bruços deitada eu durmo comigo/ virada pra direita eu durmo comigo/ eu durmo comigo abraçada comigo/ não há noite tão longa em que não durma comigo/ como um trovador agarrado ao alaúde eu durmo comigo/ eu durmo comigo debaixo da noite estrelada/ eu durmo comigo enquanto os outros fazem aniversário/ eu durmo comigo às vezes de óculos/ e mesmo no escuro sei que estou dormindo comigo/ e quem quiser dormir comigo vai ter que dormir ao lado.

Angélica Freitas

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A casa /José Paulo Paes


Vendam logo esta casa, ela está cheia de fantasmas.

Na livraria, há um avô que faz cartões de boas-festas com corações de purpurina.

Na tipografia, um tio que imprime avisos fúnebres e programas de circo.

Na sala de visitas, um pai que lê romances policiais até o fim dos tempos.



No quarto, uma mãe que está sempre parindo a última filha.

Na sala de jantar, uma tia que lustra cuidadosamente o seu próprio caixão.

Na copa, uma prima que passa a ferro todas as mortalhas da família.

Na cozinha, uma avó que conta noite e dia histórias do outro mundo.



No quintal, um preto velho que morreu na Guerra do Paraguai rachando lenha.



E no telhado um menino medroso que espia todos eles;

só que está vivo: trouxe-o até ali o pássaro dos sonhos.

Deixem o menino dormir, mas vendam a casa, vendam-na depressa.

Antes que ele acorde e se descubra também morto.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Paulo Leminski



Abaixo o além


....de dia
céu com nuvens
....ou céu sem

....de noite
não tendo nuvens
....estrela
sempre tem

....quem me dera
um céu vazio
....azul isento
de sentimento
....e de cio.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

de gato


Um texto leva a outro texto,coloquei aqui no meu blog uma crônica de Martha Medeiros sobre Gatos,Sheilla fez um comentário belíssimo,Deta arrematou com outro texto idem,reproduzo aqui o texto de Deta,essa bruxinha que faz o que quer com as palavras.


Internet é assim: a gente lê um texto ali (blog de Tetê Bezerra) e tem vontade de escrever aqui... No caso, sobre gatos.

Tive uma gata branca, muito branca. Uma noite, ela acendeu! Verdade: ficou fosforescente... Até hoje não entendo como, mas a imagem ficou na lembrança.

Outro gato costumava 'reger' músicas 'clássicas', que eu punha pra tocar. Deitava-se no chão da sala, fechava os olhos e... regia com o rabo.

Em casa, hoje, vivem dois bichanos: Pat, o mais velho, assim se chama em honra do guitarrista Pat Methene. Este é oficialmente do meu filho mais moço, que o batizou.
O outro, chegado por último, recebu o nome de Petit Pat, mas o chamamos só de Petit.
Pat faz o tipo sábio oriental. Enquanto Petit avança na sua tigelinha de comida, ele espera pacientemente, e até cheira a cabeça do irmão guloso. É também curandeiro: quando pressente que estou deitada porque não me sinto lá muito bem, ele se insinua devagar, até que se acomoda sobre a região próxima do meu coração. Penso sempre que está me passando energia, quando sinto a vibração do seu ronronado, feito um motorzinho de saúde...
E costuma recusar o alimento, quando não sou eu que o ponho lá...

Verdade é que gatos tem individualidade, à semelhança das pessoas (pelo menos das que não perderam a sua em troca da máscara social).
Nem todos são meros interesseiros.
Gatos são educadores também. Pois Pat não ensina paciência e tolerância?...
E ainda guarda a porta fechada do meu quarto, quando o calor me obriga a ligar o split.

E ainda me cura...


Postado por Nivaldete ferreira


(http://lapisvirtual.blogspot.com/2010/02/de-gato.html#comment-form)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

ARISTOGATOS


Para Sheila Azevedo,a mãe de Fellini.

Nunca imaginei ter um bicho de estimação por uma questão de ordem prática: moro em apartamento, sempre morei. E se morasse em casa, escolheria um cachorro. Logo, nunca considerei a hipótese de ter um gato, fosse no térreo ou no décimo andar. Quando me falavam em gato, eu recorria a todos os chavões pra encerrar o assunto: gato é um animal frio, não interage, a troco de quê ter um enfeite de quatro patas circulando pela casa?
Hoje, dona apaixonada de um gato de 5 meses (e morando no décimo andar), já consigo responder essa pergunta pegando emprestada uma frase de um tal Wesley Bates: "Não há necessidade de esculturas numa casa onde vive um gato". Boa, Wesley, seja você quem for. Gato é a manifestação soberana da elegância, é uma obra de arte em movimento. E se levarmos em consideração que a elegância anda perdendo de 10 x 0 para a vulgaridade, está aí um bom motivo para ter um bichano aninhado entre as almofadas.
Só que encasquetei de buscar argumentos ainda mais conclusivos. Por que, afinal, eu me encantei de tal modo por um felino? Comecei a ler outras frases irônicas e aparentemente pouco elogiosas. Mark Twain disse que gatos são inteligentes: aprendem qualquer crime com facilidade. Francis Galton disse que o gato é antissocial. Rob Kopack disse que se eles pudessem falar, mentiriam para nós. Saki disse que o gato é doméstico só até onde convém aos seus interesses. Estava explicado por que gamei: qual a mulher que não tem uma quedinha por cafajestes?
Ser dona de um cachorro deve ser sensacional. Lealdade, companheirismo, reciprocidade, eu sei, eu sei, eu vi o filme do Marley. Cão é boa gente. Só que o meu cachorro preferido no cinema nunca foi da estirpe de um Marley. Era o Vagabundo, sabe aquele do desenho animado? O que reparte com a Dama um fio de macarrão, ambos mastigam, um de cada lado, e mastigam, mastigam até que (suspiro... a emoção impede que eu continue). Eu trocaria todos os príncipes loiros e bem comportados da Branca de Neve e da Cinderela pelo livre e irreverente Vagabundo, que foi o personagem fetiche da minha infância. E lembrando dele agora, consigo entender a razão: aquele malandro tinha alma de gato.
Imagino que, com essa crônica, eu esteja revelando o lado menos nobre do meu ser. Pareço tão sensata, tão bem resolvida, tão madura - quá! - tenho outra por dentro. Que vergonha. Levei mais de 40 anos para me dar conta de que não faço questão de uma criatura que me siga, que me agrade, que me idolatre, que me atenda imediatamente ao ser chamado, que me convide pra passear com ele todo dia. Sendo charmoso, na dele e possuindo ao menos alguma condescendência comigo, tem jogo.
Cristo, um simples gato me fez descobrir que sou mulher de bandido
.


Martha Medeiros


domingo, 14 de fevereiro de 2010

DIVA CUNHA 2


SEM TÍTULO

Não invejo a lucidez admirável
dos distintos senhores
quando abotoam seus perclaros
casacos
e saem por aí
arrotando verdades
que o vento bandoleiro e cínico
dá o trato necessário:
alisa
apruma
e chuta sobre os muros.

Para esses ditames seguros
tenho a faca apontada
e o cuspe solidário
crescendo na boca.

Vagabunda me absorvo
no círculo que as sombras
vão alargando pelo chão.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Uma crônica de Ruy Castro


O olho onipresente
RIO DE JANEIRO - Há 30 anos, uma revista de escândalos de Hollywood mostrou o comediante Jerry Lewis, então ainda famoso, como um pai maníaco, tirânico e paranóico, que, quando seus filhos eram crianças, instalou câmeras e microfones pela casa para espioná-los. Até no banheiro os guris ficavam ao alcance de seus olhos. O equipamento, digno do Dr. Mabuse, fora instalado em nome da disciplina.
Na época, isso foi considerado o máximo da crueldade e da insegurança. Todo mundo odiou Jerry Lewis e teve pena de seus filhos. Mas os anos se passaram e, com a evolução da tecnologia, Jerry foi absolvido. Terá sido, no máximo, um pioneiro da espionagem paterna, e dos mais primitivos.
Hoje, conforme a reportagem de Cláudia Collucci na Folha de domingo último, a criança começa a ser monitorada no útero, pelo ultra-som 3-D. Vem à luz e, pelos anos seguintes, seus pais continuam a controlá-la com as câmeras on-line, no berçário, na escolinha infantil e em todo o apartamento, gerando imagens e sons que podem ser acessados à distância pelo computador ou pelo celular.
À medida que o garoto cresce, o olho protetor e onipresente continua a acompanhá-lo -na escola, no playground, no prédio. Difícil que um menino desses roube um simples beijo à filha da vizinha no elevador ou na escada de serviço sem estar se sentindo filmado por alguém. Finalmente, quando tiver idade para sair sozinho, seus passos serão guiados pelo sistema de GPS instalado no celular, no carro que ele acabou de ganhar e até na sola do tênis. Nunca estará sozinho.
Eis aí um jovem pronto para babar na gravata, cair na primeira esparrela que lhe aprontarem, meter-se nas piores encrencas, morrer de amores sem motivo justo ou matar o pai e a mãe que nunca lhe permitiram tornar-se um adulto.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Matéria de poesia


"Todas as coisas cujos valores podem ser disputados no cuspe à distância servem para poesia.

O homem que possui um pente e uma árvore serve para a poesia. Terreno de 10 por 20, sujo de mato, e os detritos que nele gorjeiam, como, por exemplo, latas, servem para poesia.

As coisas que levam a nada têm grande importância. Cada coisa ordinária é um elemento de estima; cada coisa sem préstimo tem seu lugar na poesia.

As coisas que não pretendem, como, por exemplo, pedras que cheiram água, homens que atravessam períodos de árvore, se prestam para poesia. Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado, como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para poesia.

Os loucos de água e estandarte servem demais para a poesia.

O traste é ótimo, o pobre-diabo é colosso. As pessoas desimportantes dão para a poesia.

Qualquer pessoa ou escada, o que é bom para o lixo é bom para a poesia. As coisas jogadas fora têm grande importância. Um homem jogado fora também é objeto de poesia. Aliás, saber qual o período médio que um homem jogado fora pode permanecer na terra sem nascerem em sua boca as raízes da escória também dá poesia!

Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima, serve para poesia."
(Manuel de Barros)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O QUE PERMANECE DEPOIS DA QUEDA


Texto que Bortolotto escreveu para a revista "bravo" e foi publicado na íntegra no seu blog "atire no pianista".


O QUE PERMANECE DEPOIS DA QUEDA

Tenho ficado quieto, sozinho. Minha filha possui o dom da invisibilidade. Mesmo dentro de uma kitchenete somos dois exilados, respeitando nossos vistos de permanência. Engraçado como cada objeto nessa kitchenete me remete a algum momento de antes da queda que é como eu chamo toda a minha história antes do incidente (pra quem não sabe, levei três tiros num assalto e quebrei meu braço esquerdo quando caí com o corpo por cima do braço e agora tô com uma placa de titânio no tal braço e uma dúzia de parafusos semi-assustadores, isso se eu fosse um sujeito um pouco mais impressionável). Eu olho a capa de um LP e lembro que ouvia determinada música num momento que estava particularmente feliz. Olho o pingüim do lado do boneco do Mutley e me lembro que o roubei de uma festa onde eu tava muito bêbado. Quando acordei no dia seguinte, vi aquele pingüim olhando pra mim de maneira amistosa e pensei: “Sempre quis ter um pingüim desses. De onde ele veio?” Vejo o flyer da peça “A Noite mais fria do ano” e me lembro dos dias amanhecendo na Praia de Copacabana ao lado da minha amiga Paulinha Cohen e dela completamente bêbada pedindo para que algum atleta matutino acendesse o seu cigarro. Quase repito mentalmente o clichê de que era feliz e não sabia. Naquele tempo, meus dedos no teclado do laptop acompanhavam freneticamente meu raciocínio vertiginoso. Hoje minhas costas doem e me avisam que já é um outro tempo. Já é “Depois da queda” e não há como voltar no tempo. Estou ilhado na minha kitchenete e tudo é silencioso demais, quase um coma, quase um túmulo. Mas minha filha liga a TV e felizmente esse silencio desgraçadamente mortal é quebrado ruidosamente. Os amigos ligam e insistem em dizer que o pior já passou. Ok, então diz isso pras minhas costas que não param de doer e que não deixam que eu me concentre pra escrever esse texto. Dia desses voltei à Praça Roosevelt, o lugar da queda. Voltei no período da tarde para tirar algumas fotos de divulgação do novo espetáculo (“Música para ninar dinossauros”). Passei batido pelo local exato da queda e nem foi intencional. Simplesmente tenho outras preocupações. E é reconfortante ter outras preocupações. Me perguntam se eu não tenho raiva do sujeito que atirou em mim. Pô, é obvio que eu tenho. Tão me tirando de Jesus Misericordioso? Sempre que eu penso nele, eu fico com muita raiva e desejo os sete cavaleiros do apocalipse e toda a sétima cavalaria do Coronel Custer no pé dele. É que eu não fico perdendo o meu tempo pensando nesse canalha. Prefiro ocupar o meu tempo com algo mais edificante como os métodos de tortura do personagem Dexter no seriado de TV. Me podem ser úteis no futuro. Por isso passei batido pelo local da queda e fui cuidar do meu trabalho, ou seja, da minha vida, já que eu nunca consegui dissociar um do outro. E agora me entrego pro trabalho, apesar da dor e de todas as limitações. Dia 18 estréio no Festival de Teatro de Curitiba (Sesc da Esquina) meu novo espetáculo totalmente gestado num momento de renascimento e dor quase que constante. Entendam que eu insisto nisso porque no momento que estou escrevendo este texto, minhas costas imploram por uma massagista nórdica com mãos santificadas. “Música para ninar dinossauros” é meu cartão de boas vindas, uma espécie de prefácio para o restante da minha obra, ou seja, a obra que por pouco não foi. Os médicos dizem que se eu demorasse mais dez minutos pra ancorar meu navio fantasma na Santa Casa (que no caso era um corsinha da polícia comigo no porta-malas e a Fernanda e o Brum me amparando), hoje estaria bebendo meu Bourbon em algum sagrado boteco do céu. Sim, porque podem ter certeza que eu vou pra lá. Sou um cara bacana. Meia dúzia de amigos facilmente corrompíveis podem atestar isso. Então fica assim: “Música para ninar dinossauros” é meu epitáfio que não deu certo. Isso quer dizer que apesar da linguagem grosseira que meus personagens costumam usar sem nenhuma espécie de economia e que costuma irritar meus críticos mais pudicos, toda a cruel poesia está lá estampada na monumental melancolia dos meus personagens de meia idade que são de uma geração que nasceram numa espécie de limbo e que demoraram demais pra colocar a cabeça pra fora do casco da tartaruga e perguntar: “Afinal que porra tá acontecendo?”

Convidei dois grandes amigos meus para entrarem comigo nesse balde que deve descer ao fundo do poço e não voltar: Lourenço Mutarelli e Paulo de Tharso. Difícil imaginar o espetáculo sem os dois como companheiros nessa “highway to hell”. Convidei também três jovens e ótimos atores que terão a ingrata tarefa de representar os nossos três personagens 20 anos antes e mais seis lindas e ótimas atrizes porque ninguém merece ficar uma hora e 20 minutos olhando pra fuça de seis marmanjos mal ajambrados. O que eu quero dizer é que apesar de todas as dores, todas as limitações e todo o cinismo que continua incompreendido, é possível se divertir, se emocionar e ainda alimentar nossa necessária cota de raiva diária. Eu dou as boas vindas à minha nova vida. Espero que alguém apareça sereno como numa abertura de um filme do Sérgio Leone e brinde comigo. Pela espuma que tá caindo, meu copo tá cheio de cerveja. E o seu?



- Mário Bortolotto –



47 anos ou sei lá, 47 dias essa noite. Depois da queda.



Muita gente me pergunta o que mais me incomoda nesse período de recuperação (?) Respondo que entendo que as pessoas costumam ser sempre muito bem intencionadas, mas se tem uma coisa que é foda é todo mundo que chega e pergunta automáticamente: "Tudo bem?" Não é por nada não, mas se tivesse tudo bem, meu braço não tava numa tipóia, né? Também não suporto os inevitáveis "o pior já passou" e "tem que ter paciência". E além das dores todas e o lance dos dedos da minha mão esquerda estarem sem movimentos, ainda rolam as crises de depressão. Sim, eu tenho crises de depressão, geralmente quando estou sozinho na quitinete. E eu gosto muito de ficar sozinho, porque até crises de depressão a gente merece ter em paz.


Escrito por Mário Bortolotto às 02h16

http://atirenodramaturgo.zip.net/

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Vívido (living)




Não senhores não se importunem
com essa indisfarçável tristeza,
tristeza por nada, repentina,
que nada aplaca ou anima.

Não é amarga, não tem ranço,
não empesta o ar nem arrasa,
é como um pássaro batendo asas
pela casa
adentro, já passa.

(do livro: Vívido. autor: Pedro Amaral. editora: Sette Letras.)