domingo, 28 de abril de 2013

Abismo - Pedro Lage




Abismo - Pedro Lage


deste abraço
ao avanço da estrela mais íngreme
- apenas um passo,

os lugares menos reconhecíveis,
as lembranças mais frouxas
e uma voz rouca
fecham sobre mim seus lábios de tempestade
no pálio pálido da madrugada,

é tarde,
te amo



Pedro Lage nasceu no Rio de Janeiro em 1952. É um poeta identificado com a geração Nuvem Cigana, que nos anos 70, compunha o cenário poético carioca resistindo à opressão da ditadura. Publicou seu primeiro livro em 1976. Depois disso, participou de diversos movimentos, como a fundação do Circo Voador e as rodas teatrais do grupo Tá na Rua. Pedro Lage é uma referência na história recente da poesia carioca. Acabou de lançar 'Dicionário de Estrelas' (Ibis Libris) reunindo seus 35 anos de poesia.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

um café







um café

-um café.
-expresso?
-espresso, expresso.
-o troco.

a boca ainda quente, pensou

a vida não deve ser bebida
como café inexpresso
às 6 de uma quinta sem sinfonia,

mas às vezes é,
porque tudo às vezes é
como não gostamos,
mas só assim sabemos
o gosto de gostar.

 -um café.
-expresso?
-expressivo.


Nivaldete Ferreira


(Paris,fotografada por mim)

JANELA POÉTICA (III)

 


JANELA POÉTICA (III)


Marize Castro


às margens de mim
o desejo é o mesmo

ir para nenhum lugar
correr para dentro

talvez voar

sexta-feira, 5 de abril de 2013

L. Rafael Nolli

por certo não sou digno da poesia
é o que se comenta
nos pequenos círculos

não comi a flor de lótus
tampouco sai às ruas chapado de rivotril

também disso estou certo
– eles o dizem, por que duvidar –
não evitei o amor
essa grande balela

sequer morri de tuberculose
(nos corredores de uma sinistra biblioteca)

é o que se comenta
quem sou eu para duvidar

não me matei (ou matei alguém)
pelas palavras – ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência a vossa, etc e tal –
muito menos tive a Grande Visão

não vendi armas ao rei da Abissínia
ou cruzei o país
– vagabundo em um vagão –
no encalço do Sublime


.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

"Coração numeroso"

"Coração numeroso"
Carlos Drummond de Andrade

"Foi no Rio.
Eu passava na Avenida quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.

Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.

Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade da vida aos homens diferentes,
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor."