quinta-feira, 30 de abril de 2009

Ana Luíza Amaral


RITMOS
E descascar ervilhas ao ritmo de um verso:
a prosódia da mão, a ervilha dançando
em redondilha.
Misturar ritmos em teia apertada: um vira
bem marcado pelo jazz, pas
de deux: eu, ervilha e mais ninguém

De vez em quando o salto: disco sound
o vazio pós-moderno e sem sentido
Ah! hedónica ervilha tão sozinha
debaixo do fogão!

As irmãs recuperadas ainda em anos 20
o prazer da partilha: cebola, azeite
blues desconcertantes, metamorfose em
refogados rítmicos

(Debaixo do fogão
só o silêncio frio)

ANA LUÍSA AMARAL, Minha Senhora de Quê, Quetzal Editores, Lisboa, 1999: 58

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Cristiane Lisboa


Colo estrelinhas nas paredes, escrevo, bebo chá, mato orquídeas, perco sapatos, sonho a noite toda (minhas noites duram poucas horas, enfim), recuso mãos desconhecidas, conheço pessoas, digo "não vamos falar sobre a Madonna agora", sorrio, digo falsidades, calo o coração, abraço, me encanto com os gatos, penso nos monstros dos armários, ouço uma verdade tão triste do amigo, suspiro, meu Deus como suspiro e rezo com fervor para que chova. Com direito a raios e trovões. Só me acalmo nas tempestades.

Casablanca

terça-feira, 28 de abril de 2009

Nivaldete Ferreira


Deta fez um texto lindo e poético sobre a pedra que tínhamos como um monumento lá em Nova Palmeira e fez parte da nossa infância e adolescência.Pois é, essa pedra faz parte da minha geografia sentimental.Em homenagem a ela e a nossa nostalgia transcrevo o texto aqui no meu blog:Em Nova Palmeira-PB, quando as pessoas queriam contar alguma coisa do seu tempo de criança, diziam "no tempo d´eu menino/a...".Pois bem, no tempo d´eu menina, havia , em uma das entradas daquela rua-cidade onde nasci, uma pedra numa forma que lembrava uma vaca deitada. Perto dela, outra menor, que devia ser o bezerro e servia de escada para se chegar ao lombo da mãe. A gente brincava lá, todos os dias. Batia pedacinhos de tijolo nas barrocas lisas que foram se formando, como pilõezinhos, ao longo dos anos. Isso era bater tempero pra uma comida imaginária. Mas como nutria!Era uma mistura de pedra, vaca e avó. Porque avó deixa tudo, quase tudo. Aquela pedra-vaca-e avó deixava. A gente subia, batia tempero, descia, subia... E às vezes vinha alguém contar uma história. Ouvi esta, de Antônio Bezerra, tio de minha mãe:-Essa menina, houve um homem chamado Camonge, que era muito inteligente. Tão inteligente que adivinhava. Um dia, um amigo quis provar que era capaz de enganá-lo. Então levantou essa pedra aqui, colocou uma folha de papel-de-embrulho embaixo, recolocou a pedra. Quando Camonge chegou e se sentou nela, o amigo perguntou: "Não sente nehuma diferença nessa pedra?". Camonge fez "hummm... Sinto, sim. Uma diferença muito, muito pequena: da finura de uma folha de papel-de-embrulho." O tio acabou de contar e saiu rindo... E eu acreditei piamente. Até hoje acredito.Difícil foi acreditar no que disseram, um dia, quando eu, já moça e penteando distraidamente os cabelos, escutei uma chuva de pedrinhas em cima das telhas de casa.-Mas o que é isso???-Dinamitaram a pedra... Vão fazer o prédio da prefeitura ali.Não, não, protestei em silêncio, a mão suspensa, segurando o pente. Fiquei silenciosa por horas e horas. Sequer pude chorar. Era uma dor assim, seca.E ainda escutei a queda das últimas pedrinhas. Parecia uma despedida, um choro de quem, sendo pedra, não tinha um coração de pedra, como aqueles que a dinamitaram, sem mais nem menos. E não pude, ninguém pode fazer nada... Para muitos, foi uma festa. Pra mim, um luto que carrego até hoje. Um luto meio branco, da cor dela, da pedra. Afinal, não se tratava de uma pedra qualquer. Não era um mero aglomerado de calcário. Nem era "a minha pedra". Coisas assim não são de ninguém, são da vida.Era uma pedra vaca-e-avó.Guardava nossos segredos, nossas fantasias.Tinha alma.Tinha corpo.Deve ter doído nos nervos do Universo...Ah, o progresso... Ele tem lá suas medonhezas...

Hoje recebi esse email de um amigo,um relato triste e poético de uma perda: Querida tetê,hoje a vida está insuportavelmente angustiante para mim,vou ter que doar o cachorro,é triste não termos mais condições de nos doarmos em todo nosso potencial,de repente você se dá conta que não tem mais o vigor dos embates,ele platão,o cachorro,requer muita atenção psicomotora,estou cansado e cheio de manias,não suporto sujeira nem tão pouco estragos,ele me rasgou duas belas poltronas que tinha na varanda,quer pegar luana à força,enfim tornou-se um peso para meu ser fatigado e insone.Já chorei junto com luana,a cachorra,ela sentiu,recolheu-se num cantinho do quarto e ficou em posição fetal,como a dizer-me ,nesta hora resta-nos ser frágil mesmo,estou transido de tristeza e varado de culpa por não poder cuidar de algo que tanto estimei,nunca pensei que a vida fosse me aprontar uma dessas na curva perigosa dos cinquenta.Ele acabou de partir agora,para sempre com a matéria de que é feita toda separação:solidão,revolta e desamparo.

“Segunda-feira é mais difícil porque é sempre a tentativa do começo de vida nova. Façamos cada domingo de noite um reveillon modesto, pois se meia noite de domingo não é começo de Ano Novo é começo de semana nova, o que significa fazer planos e fabricar sonhos. Meus planos se resumem, para esta semana nova, em arrumar finalmente meus papéis, já que a governanta eu não vou ter mesmo. Quanto aos sonhos, desculpem, guardo-os para mim, como vocês guardam, com o olhar pensativo, de quem tem direito, os próprios.” (Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo)

segunda-feira, 27 de abril de 2009


“A srta. Albertine foi-se embora! Como, em psicologia, o sofrimento vai mais longe do que a psicologia! Ainda há pouco, ao analisar-me, julgara que essa separação sem nos termos visto outra vez era justamente o que eu desejava, e, comparando a mediocridade dos prazeres que Albertine me proporcionava com a riqueza dos desejos que me impedia de realizar, eu me achara sutil, e concluíra que não queria tornar a vê-la, que já não a amava. Mas estas palavras: A srta. Albertine foi-se embora acabavam de produzir-me no coração um sofrimento tamanho que eu não podia resistir-lhe por muito tempo. Assim, o que julgara não ser nada para mim era, simplesmente, toda a minha vida. Como a gente se conhece mal!”. (fragmento de A Fugitiva, sexto volume de Em busca do Tempo Perdido de Marcel Proust).

Sentença

Convém nos
iniciarmos
cedo
As coisas são demoradas

E não é bom
colher os frutos
quando a boca não
conseguir mais
saboreá-los

(Eunice Arruda)
Hal Chase, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Buroughs: anos 1950

solidão

(...) se vieres à minha procura vem devagar e suavemente para não
quebrar a porcelana da minha solidão.
Sohrab Sepehry

sábado, 25 de abril de 2009


"As Melhores Mulherεs pertencem aos homens mais atrevidos. Mulheres são como maçãs em árvorεs. As melhores estão no topo. Os homens não querεm alcaиçar essas boas, porque eles têm mêdo de cair e se machucar. Preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão, que иão são boas como as do topo, mas são fáceis de se coиseguir. Assim as maçãs no topo pensam que algo está errado com elas, quaиdo na verdade, eles estão errados. Elas têm que esperar um pouco para o homem certo chegar... aquele que é valente o bastante para escalar até o topo da árvore". (Machado de Assis)


versos de circunstância
o casaco sabia de abraços em tempos antigos e ainda assim cheirava a nada
no máximo um resquício de sândalo e naftalina
mas aquecia por pouco não aconchegava

Márcia Maia

quarta-feira, 22 de abril de 2009

"(...) Mais tarde, aquele abraço sonolento consolidou-se em sua memória como o único momento de felicidade natural e encantada em suas vidas separadas e difíceis."(Annie Proulx, "O Segredo de Brokeback Mountain")
Tardes da Redinha/deus baixa 'a terra/senta num tamborete/toma cerveja gelada com cachaça/as ondas lhes lambém os pés/agradecidas.(DIVA CUNHA)

terça-feira, 21 de abril de 2009

Quando lembro dele é com carinho e muita saudade,é bom ter amigos que conhecem a nossa essência.Há atos de profunda amizade que não esqueço.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

se não tenho nada a dizer? rapaz, tenho tudo pra dizer. do céu bem perto, das caravelas ao mar, da cama que não existe mais, do livro que está sem título, das palavras ainda molhadas pela recém descoberta, dos cataventos dançando na cozinha da mini casa, do esmalte cor bob esponja, da massagem nos pés, daquele jeito de olhar que tinhas, que me arrependo, que preciso acreditar que te arrependes, que o céu anda muito azul, que os personagens andam muito metidos, que pela primeira vez joguei fora uma caixa de cartas, que sorrio mais do que rio, que sou outra, que sou igual, que nos encontrei em outras pessoas e me enterneci, desejei sorte, pedi benção, que parei de acreditar nos deuses, em milagres, na Santa Rita de Cássia e na Vó Odila, que ainda acho muito bonito conversar enquanto se toma banho, que tenho lido, dito pouco, que no próximo dia 05 a sacada vai voltar a ser branca, que hilda aprendeu a piscar o olho, que este vai ser o inverno mais frio dos últimos tempos e que o amor do tumitinhas era pouco. E se acabou.
Escrito por Cristiane Lisboa
"Não te tocar, não pedir um abraço, não pedir ajuda, não dizer que estou ferido, que quase morri, não dizer nada, fechar os olhos, ouvir o barulho do mar, fingindo dormir, que tudo está bem, os hematomas no plexo solar, o coração rasgado, tudo bem""Garopaba mon amour" in Pedras de Calcutá, Caio F.Abreu.

domingo, 19 de abril de 2009

"Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas... Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo." Caio F. A breu.

sábado, 18 de abril de 2009

Ela é Aninha Bezerra,faz minha vida mais doce!!!!
Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida
Clarice Lispector

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Caio Fernando Abreu


"Penso, com mágoa, que o relacionamento da gente sempre foi um tanto unilateral, sei lá, não quero ser injusto nem nada - apenas me ferem muito esses teus silêncios."

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Jack Kerouac


“Ah, América, tão imensa, tão triste, tão negra, você é como as folhas de um verão seco que se tornaram quebradiças antes do final de agosto, não há remédio, quem olha para você não vê mais do que desespero triste e ressequido, o conhecimento da morte iminente, o sofrimento da vida presente, luzes natalinas não te salvarão nem a ninguém, de nada adianta acender enfeites de natal num arbusto morto em agosto, à noite, e lhe dar o aspecto de outra coisa qualquer, que espécie de natal é esse que celebras no vazio?... nesta nuvem nebulosa?”em Viajante Solitário, tradução de Eduardo Bueno

domingo, 12 de abril de 2009

"Escrevo para que me escutem — quem? Um ouvido anônimo e amigo perdido na distância do tempo e das idades. Para que me escutem se morrer agora. E depois, é inútil procurar razões. Sou feito com estes braços, estas mãos, estes olhos e assim sendo, todo cheio de vozes que só sabem se exprimir através das vias brancas do papel, só consigo vislumbrar a minha realidade através da informe projeção deste mundo confuso que me habita. E também porque escrevo porque me sinto sozinho. Se tudo isto não basta para justificar porque escrevo. o que basta então para justificar alguma coisa na vida? Prefiro as minhas pequenas às grandes razões, pois estas últimas quase sempre apenas justificam mistificações insustentáveis frente a um exame mais detalhado". (Lúcio Cardoso)
é disso que eu falo...
"Um sujeito precisa ter coragem. Um sujeito pode passar a sua vida toda amarrado a sua cidade natal vivendo como um pária, constantemente vigiado e desacreditado, pode ainda encerrar suas noites sonhando com coisa que ele nunca poderá sequer tocar, pode interpretar cenas de filmes cults sob o chuveiro ou mesmo acelerar fundo de volta pra casa imaginando estar a bordo de um Porsh Spider ou, ele pode ter um mínimo de coragem. Quando um sujeito começa acreditar em suas miudezas, naquelas coisas que o tornam diferente, que são identidade e prazer e ao mesmo tempo, ele caminha, estica o dedão na beira da rodovia, joga os dados na sala escura mesmo sacando que no fim das contas o patrão sempre levará a melhor. Coragem, é preciso coragem. Quando se dá os primeiros passos a caminho daquelas crenças pessoais, aquelas que têm a nossa marca, vem a sensação de medo; a primeira volta na montanha russa; coisas acontecem freneticamente, o iceberg rompe o estômago e ameaça naufragar o prazer que se instala devagar. Coragem, nestas horas é preciso ter coragem. Sei que vai pintar a tal encruzilhada, mais uma, das grandes, e aí, enquanto ouço o barulho do trem se aproximando, a cancela fechando-se gradativamente, sei que será hora de acelerar, sem olhar pro trem, resistindo aquele impulso maluco de engatar ré, síndrome de Sara e as malditas estátuas de sal, hora de ir em frente e deixar que o out door do meu cérebro acenda as luzes: coragem! Talento é pouco, essencial é culhão. Coragem!"
Márcio Américo
"(...) Só é triste quem não se recorda, quem não mistura os fatos com as impressões. Toque-me no pescoço, o braço ficará arrepiado e será um acontecimento. Toque-me na memória e vou me encontrar mais do que me pertenci. Nenhuma separação é maior do que a possibilidade de restauração da memória. Não existe escombro que não possa servir de pedra novamente. A memória devolve o que não tínhamos. A memória é a saudade do que virá. Não há quem não feche os olhos ao comer, não há quem não feche os olhos ao cantar a música favorita, não há quem não feche os olhos ao beijar, não há quem não feche os olhos ao abraçar. Fechamos os olhos para garantir a memória da memória. É ali que a vida entra e perdura, naquela escuridão mínima, no avesso das pálpebras. Concentramo-nos para segurar a dispersão, para segurar a barca ao calor do remo. O rosto é uma estrutura perfeita do silêncio. Os cílios se mexem como pedais da memória. Experimenta-se uma vez mais aquilo que não era possível. Viver é boiar, recordar é nadar. Escrevo na água, no vento da água. O passado sem os olhos fechados é como uma roupa enrugada. Sem corpo. Sem as folhas dos plátanos." Carpinejar
Clarice Lispector
"...Que minha solidão me sirva de companhia.que eu tenha a coragem de me enfrentar.que eu saiba ficar com o nadae mesmo assim me sentircomo se estivesse plena de tudo."

RESISTIR É PRECISO

RESISTIR É PRECISO
Da série "textos que eu queria ter escrito":
"No botequim não há grifes, não há o corpo-máquina, o corpo-em-si-mesmo, a vitrine, o mercado pairando como um deus a exigir que se cumpram seus rituais. O buteco é a casa do mal gosto, do disforme, do arroto, da barriga indecente, da porrada, da grosseria, do afeto, da gentileza, da proximidade, do debate, da exposição das fraquezas, da dor de corno, da alegria do novo amor, do exercício, enfim, de uma forma de cidadania muito peculiar. O botequim é o anti-shopping center, é a anti-globalização, é a recusa mais veemente ao corpo-máquina dos atletas olímpicos ou ao corpo doente das anoréxicas - doença comum nesse mundo desencantado. Ali, entre garrafas vazias, chinelos de dedo, copos americanos, pratos feitos e petiscos gordurosos, daquele mar de barrigas indecentes, onde São Jorge é o deus e mercado é só a feira da esquina, a vida resiste aos desmandos da uniformização e o ser humano é restituído ao que há de mais valente e humano na sua trajetória - a capacidade de sonhar seus delírios e afogar suas dores e medos na próxima cachaça. É onde a alma da cidade grita: - Não passarão!"(não sei quem é o autor)