sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Pranto Para Comover Jonathan


Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama.
Adélia Prado

sábado, 24 de outubro de 2009

CAIO F.( Personagem de si mesmo )


Sou assumidamente apaixonada por Caio.Foi ele quem melhor escreveu sobre minha geração.Transcrevo aqui no meu blog a resenha de Marcelo Moutinho sobre dois livros recém-lançados e que jogam luz na vida e na obra de Caio Fernando Abreu.
Personagem de si mesmo


Marcelo Moutinho

Corriam os anos 70. A tarde se desenrolava sem sobressaltos na redação da revista Pop quando alguém entregou a Paula Dipp, repórter ainda iniciante, um recado sob forma de bilhete. “Todos já receberam o convite para seu aniversário; por acaso você teria se esquecido de mim ou ainda posso ter esperanças de ser convidado?”, dizia o texto. Assinava Caio Fernando Abreu.

Paula organizara uma "festa de arromba". "Enviei convites, avisei pessoas, e o Caio, justo ele, foi ficando para trás. (...) Não foi esquecimento e sim uma espécie de cautela. Adiei o convite porque ele me intimidava”, conta ela, que acaba de cumprir, com a publicação de Pra sempre teu, Caio F, a promessa feita numa das tantas correspondências trocadas com o escritor após aquele episódio inaugural: reabrir seu baú de guardados e tirar da penumbra os afetos, as dores e idiossincrasias que moldaram quase 20 anos de amizade. Do início, farto em afinidades e promessas, ao último telefonema, a voz de Caio cambaleante falando da bem-sucedida cirurgia na vesícula.

Missivista contumaz, o escritor sempre insistiu em que a gente não devia permitir que as cartas se tornassem obsoletas, “mesmo que, talvez, já tenham se tornado”. Hoje possivelmente enviaria e-mails com a mesma intensidade. “As cartas eram uma forma de organizar a vida, a dele e a nossa”, comenta Paula no livro, cuja essência é justamente o teor dessas correspondências, às quais ela adicionou depoimentos, muitos depoimentos, de gente que conviveu com o autor. De Antonio Bivar a Adriana Calcanhotto. De José Márcio Penido a Marcos Breda. De Maria Adelaide Amaral a Okky de Souza.

Entre afagos e críticas algumas vezes duras, o livro contempla o escritor soturno que varava madrugadas em busca de inspiração, o jornalista que não atrasava a entrega dos textos, o ser marcadamente gregário, a personalidade instável, vertentes que nem sempre pareciam se integrar. Além disso, o sujeito encrenqueiro, o comentarista mordaz, o homem carente capaz de cenas públicas de ciúme, como a que se deu na redação da Pop.

Para reconstituir essa história, Paula se fez também personagem. E não se limitou a tratar do que é matéria íntima. Em mais de 500 páginas, pavimentou a trajetória do autor com as imagens, as modas, os humores, enfim, com os ícones que constituíram o zeitgeist da geração pós-ditadura. Até porque Caio surfou todas as ondas. Vibrou nas cordas lisérgicas do movimento hippie, gritou contra a burguesia ao lado dos punks, botou broche do PT no peito. Transou quiromancia, tarô, foi a cartomantes. Leu o I Ching, frequentou o Santo Daime, terreiros de Candomblé. E, no esteio desses muitos percursos, personificou, talvez como nenhum outro ficcionista, a mixórdia de inocência e esperança que animava os corações àquela época.

Paula traz revelações interessantes sobre a criação de obras como “Morangos mofados” e “Onde andará Dulce Veiga?”. Exemplo: a obsessão de Caio por desenhar os mapas astrais dos personagens, fixando data, hora e local de nascimento, para depois montar um perfil psicológico adequado e então começar a escrever. Essa paixão pela astrologia seria levada ao paroxismo em “Triângulo das águas”, cujas três novelas se inspiram nos arquétipos de Peixes, Câncer e Escorpião.

O livro cataloga também expressões que ele criou, com algum humor e muito sarcasmo, e que saíram de seu vocabulário pessoal para o repertório de pessoas próximas, como a própria Paula. “Lasanha”, para designar homem bonito; “adendo”, para os “chatos que colam na gente”; “nigrinha”, para gente simples que se quer descolada, mas batalha pesado pela sobrevivência. “Nigrinha não falta a vernissage por causa das empadinhas e não paga impulso de jeito maneira. Só liga da repartição”, fazia graça.

Pra sempre teu, Caio F. ajuda a confirmar que o sonho/temor que o autor mantinha quanto à glória póstuma se efetivou. Mais de 50 teses a seu respeito já foram defendidas ou estão em andamento, no Brasil e no exterior. Suas obras foram relançadas, as peças de teatro estão agrupadas num volume caprichado e as cartas, compiladas em livro. Ele é simplesmente “o Caio”, tal a afinidade com seus escritos, para muitos jovens fãs que mal andavam em 1996. E acaba de ganhar uma biografia: “Caio Fernando Abreu: inventário de um escritor irremediável”, da jornalista Jeanne Callegari.

Em narrativa linear, Jeanne descortina a errante caminhada do autor, desde o menino-cinéfilo da pequena cidade gaúcha de Santiago do Boqueirão; passando pelas temporadas na Europa, onde chegou a morar em casas invadidas; pelos ciclos místicos no sítio de Hilda Hilst; até desembocar no drama da Aids. Há agora uma moda de se falar em “auto-ficção”. O conceito se aplica à perfeição: narrador e personagem, Caio o tempo todo escreveu a si mesmo.

Os livros de Paula e Jeanne têm algo em comum. Ambos espelham a eterna procura que se refletiu em seus contos, suas crônicas, suas cartas, seus romances, numa imbricação em que vida e obra se alimentaram sempre, mutuamente, e que ele sintetizou num texto-desabafo publicado na revista Around: “O bicho homem não faz outra coisa a não ser pensar no amor. Até as relações de produção, a luta de classes, a ecologia, o jogo pelo poder: tudo, questão de amor, (...) o nome que inventamos para dar nome ao Sol abstrato em torno do qual giram nossos pequeninos egos ofuscados, entontecidos, ritmados”.

A impressão é que, mesmo ante a sensação de fracasso por nunca experimentar um acontecimento externo “que justificasse toda a largueza de dentro”, como lamenta o personagem do conto “A chave a porta”; mesmo sob o sol negro que luziu melancolia sobre a maior parte de seus dias, Caio no fundo sempre soube tirar, das coisas, a beleza possível. Em 1978, talvez sem uma consciência precisa, ele mesmo sugeria isso ao afirmar: “Moro sozinho, minha casa é muito bonita, eu sempre digo que posso ter uma solidão medonha, mas sempre vai haver um vasinho de flores num canto. A gente pode enfeitar a amargura”.

Ainda assim, foi surpreendente o modo como enfrentou o diagnóstico da contaminação pelo HIV, fatal naquela década de 90. Ele pedia apenas para ver o ano de 2000 chegar (não deu), e trocou o natural pavor diante da morte inevitável pela serenidade de quem cultiva rosas no jardim de casa, sorvendo o mel que cada fino grão de segundo pode oferecer. “Aquilo que eu supunha fosse o caminho do inferno está juncado de anjos. Aquilo que suja treva parecia guarda seu fio de luz”, declarou, como se renovasse a certeza de que, quando mofam os morangos, há como se colherem outros, “vivos, vermelhos”. Há sempre como se plantar.

* Esta é a versão sem cortes da resenha publicada hoje no caderno Prosa & Verso (O Globo)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Colheita


fazer um poema para uma paixão

é como colher grãos
no deserto

mas os sábios costumam apelar:
sempre existe um oásis

mesmo quando a seca seca tudo

inclusive a dor de não saber colher beijos
- como um chato pacifista colhe a paz no inferno.

(Linaldo Guedes)

domingo, 18 de outubro de 2009

BUQUÊ DE PRESSÁGIOS


De tudo, talvez, permaneça

o que significa. O que

não interessa. De tudo,

quem sabe, fique aquilo

que passa. Um gerânio

de aflição. Um gosto

de obturação na boca.

Você de cabelo molhado

saindo do banho.

Uma piada. Um provérbio.

Um buquê de presságios.

Sons de gotas na torneira da pia.

Tranqueiras líricas

na velha caixa de sapato.

De tudo, talvez, restem

bêbadas anotações

no guardanapo.

E aquela música linda

que nunca toca no rádio.
Marcelo Montenegro

sábado, 17 de outubro de 2009

Caio Fernando Abreu


".. Mas só muito mais tarde, como um estranho flash-back premonitório, no meio duma noite de possessões incompreensíveis, procurando sem achar uma peça de Charlie Parker pela casa repleta de feitiços ineficientes, recomporia passo a passo aquela véspera de São João em que tinha sido permitido tê-lo inteiramente entre um blues amargo e um poema de vanguarda. Ou um doce blues iluminado e um soneto antigo. De qualquer forma, poderia tê-lo amado muito. E amar muito, quando é permitido, deveria modificar uma vida – reconheceu, compenetrado. Como uma ideologia, como uma geografia: palmilhar cada vez mais fundo todos os milímetros de outro corpo, e no território conquistado hastear uma bandeira. Como quando, olhando para baixo, a deusa se compadece e verte uma fugidia gota do néctar de sua ânfora sobre nossas cabeças. Mesmo que depois venha o tempo do sal, não do mel. ..."

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Sylvia Plath


“Entrei na banheira quente, esfregando a sujeira grudada na pele e fiquei de molho sentindo o calor revigorante, eliminando as tensões e dores do meu sistema. Vivo pela metade? Ando tão cansada, após a noite passada e o monte de louça, após a panela de pressão dos detalhes dos preparativos de última hora — sempre a idéia de que poderia fazer tudo melhor, e eu poderia mesmo: deixando todos curiosos, sonho com isso, devaneio, das brumas surgem faces familiares sorridentes que me cumprimentam e trocam olhares entre si, compartilhando segredos. Uma aspirina atenuou a dor nos olhos, a dor de cabeça de fadiga. Melhore na próxima semana — amanhã, repasse dois capítulos, duas horas de discussão sobre Joyce. Estalando, ele tira o pulôver. Pele branca, cabelo preto. Esta manhã sonhei com o novo rosto, o único, parece-me, que tem lindos olhos úmidos escuros, pele levemente pálida, dourada com sombras verdes — de mãos dadas e passando pelos alunos radiantes com uma inefável doçura e euforia, e depois acordar não solitária na cama mas com o toque de meu homem, e os rostos nos nossos amantes sonhados mudam e tremulam na imagem da manhã como a face refletida num lago inquieto juntando e juntando seus fragmentos para formar uma fisionomia ligeiramente trêmula até a placidez final inevitável.”

sábado, 10 de outubro de 2009

Escrito por Cristiane Lisboa


aqui na segunda divisão, o mundo é duro, rapaz. sorte tua que mudaste de camiseta nos últimos minutos do segundo tempo. sinto a testa suar mesmo com temperaturas abaixo do normal para a primavera. me recolho em silêncio e ignoro as placas onde se lê "eu já sabia". me espanto com a facilidade de julgamentos, com o volátil do que eu acreditava ser tão real e com a quantidade de cacos depois da queda das nuvens. se desse certo, era culpa nossa. como deu errado, é problema meu. papai diz ao telefone "agora levanta e anda. antes que alguém te chute." alô, telefonista?

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

"dotes"


Bruna Beber

"coleciono mas não li
cartas antigas, anúncios de
almanaque
em latas de goiabada nolasco

sei que estou em permanente
mudança
porque todos os dias abro e fecho
gavetas e caixas

no entando aprendi pouco sobre
apostas
e temporais, so sei que levam
muito mais do que trazem"

* Este poema faz parte de 'Balés' (Língua Geral), o novo livro da Bruna

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Amor nos três pavimentos




Eu não sei tocar, mas se você pedir
Eu toco violino fagote trombone saxofone.
Eu não sei cantar, mas se você pedir
Dou um beijo na lua, bebo mel himeto
Pra cantar melhor.
Se você pedir eu mato o papa, eu tomo cicuta
Eu faço tudo que você quiser.

Você querendo, você me pede, um brinco, um namorado
Que eu te arranjo logo.
Você quer fazer verso? É tão simples!… você assina
Ninguém vai saber.
Se você me pedir, eu trabalho dobrado
Só pra te agradar.

Se você quisesse!… até na morte eu ia
Descobrir poesia.
Te recitava as Pombas, tirava modinhas
Pra te adormecer.
Até um gurizinho, se você deixar
Eu dou pra você…
Vinícius de Moraes

sábado, 3 de outubro de 2009

A casa


Da porta principal à derradeira,
um corredor. Só o piso de madeira.

As portas laterais, trancadas.
Todas elas.

Pelas janelas,
fogem os fantasmas gerados na cumeeira.

Que mais?
Que mais?

Ah, sim: uma goteira, sangrando... sangrando...
sujando a casa inteira.
Lenilde Freitas