sexta-feira, 13 de março de 2015

Pouso

tão lento
quanto

possível agora
pousar o olhar

na parte acesa da rua
de onde

você surgirá agora
pela primeira

vez (ontem tempos
atrás amanhã

antes do sol que se agora)
como se

agora apenas
retornasse

para
(1) esta casa

(2) este corpo e
(3) a alegria

que sempre
agora

lembra
seu nome

Ricardo Aleixo


terça-feira, 10 de março de 2015

António Lobo Antunes

Há momentos e situações em que o olhar comunica mais que as palavras, isso também é intimidade. Creio que sou capaz de dizer muitas cosas sem falar, é o outro que também tem de compreender e de saber interpretar. Quando se estabelece essa relação de intimidade e de amizade, não é necessário falar. (...) Frequentemente é melhor não o fazer porque as palavras estão muito gastas.

António Lobo Antunes

domingo, 8 de março de 2015

Fragmento da biografia de ilustre personagem

01/03/2010 11:31:00
Fragmento da biografia de ilustre personagem



Por Marina Bueno Cardoso
Década de 70. Estudante universitária de jornalismo trabalhava na Varig como balconista, era meu primeiro emprego. Endereço da loja: Ipiranga com São João, era personificação da loja Sampa. Hora do almoço, para compensar a neura do centrão, procurava vasculhar redondeza, fazendo trabalho de fotografia na boca do lixo, com as fachadas dos strip-teases das Ruas Aurora e Vitória, curtindo os discos nas Grandes Galerias, o movimento black dos office-boys da época, que faziam altos penteados nos cabelereiros de lá. Mas minha grande fascinação eram os sebos, especialmente o do Licurgo. Vasculhava e ficava babando com raridades e a vontade de comprar tudo.
        Dia daqueles fui como sempre com meu uniforme de aeromoça terrestre no sebo dos sábios em busca de alguma Revista de Antropofagia. Afinal, como seria formato, diagramação, conteúdo... Por favor, será que o senhor sabe quem tem alguma Revista de Antropofagia? Sei que é muito rara, mas gostaria de xerocar, ou só ver como é. O atendente respondeu: olha, aquele senhor lá perto da porta talvez possa te ajudar, eu acho que ele tem.
       
O homem lembrava meu avô, um pouco mais jovem, de terno cinza, gravata escura e óculos. Estava todo entretido folheando um livro quando me aproximei tímida: desculpe-me, o moço falou que talvez o senhor tenha algum exemplar da Revista de Antropofagia. O senhor fechou o livro e respondeu com outra pergunta: - Mas qual o seu interesse no assunto? Explicou-lhe que os modernistas chamavam sua atenção, e que de tanto ouvir falar no movimento e nos autores, tinha grande curiosidade em conhecer a famosa Revista. - Você trabalha na Varig estou vendo. O que você estuda? -Jornalismo. Olha moça eu tenho a Revista... Não deixei que ele terminasse, estava eufórica: mas então vamos fazer um negócio, o senhor tira xerox que eu pago e vou buscar na sua casa, combinado? Vamos fazer o inverso moça, me dê seu endereço e eu vou ver como podemos fazer melhor.
       
Sai frustrada. Não foi desta vez. Pô o cara bem que podia ser legal, o que custava eu ia pagar o xerox mesmo? É tem gente que não empresta livro nem para xerocar. Está certo a coisa é rara, mas só uma olhadinha não ia matar.
       
Passados três dias, volto do trabalho para o banho rápido e ir para a faculdade. Um pacotão com um cartão em seu nome a esperava. Minha mãe: - Deixaram isto para você, o que será? Presente eihn... Ela abriu: era não só a Revista de Antropofagia em edição fac-similar, como também o Manifesto Verde. Deu um grito, - foi ele... foi ele... lembrando-se do senhor do sebo. A mãe: - Abre logo o envelope, ele quem? - Não sei o nome mas era do jeito do vovô. Leu o cartão, “para Marina conforme o combinado um abraço, José Mindlin”. A mãe: - Você é metida mesmo, você sabia com quem estava falando? - Não..., mas... que vergonha... ah ele é muito legal. Imagine que eu pedi para pagar xerox... nem sabia que ele era ele e ele, o próprio me mandou tudo isto.
       
Simplicidade e generosidade foram os primeiros traços que conheci no parêntese da biografia de José Mindlin, antes de tudo um ilustre personagem na vida de uma balconista da Varig e estudante de jornalismo curiosa e distraída.

Marina Bueno Cardoso é cronista nesta urbe sinistra que São Paulo revela para quem quiser, Marina mantém o faro fino para observar personagens e fatos que fazem a cidade acontecer , revelando suas faces às vezes brutais e outras poéticas. Entre 1991 e 1992 colaborou com crônicas no Jornal da Tarde, de São Paulo. No momento, finaliza um livro de crônicas não datadas sobre a cidade e outro sobre relacionamentos conjugais, na sua maioria esdrúxulos, como acontecem pela vida. É jornalista e trabalha com Assessoria de Comunicação. Aguardem seu blog “Urbe Sinistra”, em construção. E-mail: marinacardoso@uol.com.br

http://cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=4435