segunda-feira, 31 de agosto de 2009

DIVA CUNHA


São os trapos do coração
a escorrerem caminhos afora
trapos e tripas
vomitados em golpes escuros
sobre os tetos frios
destas noites
trapos e tripas
tripas e trapos
fitas e fitas
farrapos

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

FALAVRA


FALAVRA


de Guimarães
tatuei Rosa
mas não me entenderam
o traço

não importa

nos espinhos
descobri que sangro
em latim

Muryel de Zoppa

domingo, 23 de agosto de 2009

HISTÓRIA DE DETETIVE


HISTÓRIA DE DETETIVE



Para quem está sempre numa paisagem estranha,
A rua irregular do vilarejo, a casa escondida entre as árvores,
Tudo perto da igreja, ou a escura casa geminada,
Ou a outra com colunas coríntias, ou cada
Apartamento proletário: em todo caso
Um lar, o centro onde as três ou quatro coisas
Que costumam acontecer a alguém, acontecem? Sim,
Quem não pode desenhar o mapa de sua vida, a sombra
Na pequena estação onde ele cruza suas amantes
E diz adeus continuamente, e repara no local
Onde o cadáver de sua felicidade foi descoberto?
Uma mendiga desconhecida? Um homem rico? Sempre um enigma
E com um passado enterrado mas quando a verdade,
A verdade sobre nossa felicidade é revelado
Quanto ficou devendo à chantagem e ao adultério.
O resto é tradicional. Tudo segue um plano:

A intriga entre o senso comum local
E aquela exasperante e genial intuição
Que está sempre no local, por acaso, antes de nós;
Tudo segue um plano, a mentira e a confissão,
Até a perseguição emocionante no fim, o tiro.
Mas até a última página uma dúvida paira :
E o veredito, foi justo? O nervosismo do juiz,
Aquela pista, o protesto das tribunas,
E até nosso sorriso … pois é . . .
O tempo todo matamos o tempo. Alguém tem que pagar
Pela perda de nossa felicidade: ela mesma.







Detective Story: W. H. Auden (1936)
HISTÓRIA DE DETETIVE - Tradução: Rodrigo Garcia Lopes

Em The English Auden: Poems, Essays and Dramatic Writings 1927-1939. Ed. Edward Mendelson. 1977. London: Faber, 1986.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Brassai e uma foto inesquecível


Ele estava lá!! Não sei se foi convidado, se estava a trabalho, se estava de passagem, se foi sem querer, se foi sem saber, se foi chamado ou convocado, não sei bem porque mas estava. Brassai estava lá.

Gyula Halasz, ou Brassai (pseudônimo usado a vida inteira), o estupendo fotógrafo que ao longo da vida não se cansou de revelar a glamurosa Paris, estava presente naquele momento mágico, naquela sala, naquele meio, com seu equipamento, cercado por Jacques Lacan (1), Cecile Eluard (2), Pierre Reverdy (3), Louis Leiris (4), Pablo Picasso (5), Zanie Campan (6), Valentine Hugo (7), Simone de Beauvoir (8), Jean-Paul Sartre (9), Albert Camus (10), Michel Leiris (11) e Jean Abier (12). Entre as fotos tiradas por Brassai naquela noite está uma, uma única, uma inesquecível, aquela em que o fotógrafo húngaro ligou o automático e foi se juntar aos demais (13), aquela que entrou para a história (clique na imagem para ampliá-la).

O dia foi 6 de junho de 1944, e o motivo da reunião era a primeira leitura da peça “O Desejo Pego Pelo Rabo” (“Désir attrapé par la queue”), escrita em 1941 por Picasso, em mais um trabalho surrealista como tudo aquilo que dito moderno naquela época deveria ser. Os presentes, alguns já geniais, outros nem tanto, foram clicados por Brassai e entraram para uma das fotos mais importantes do século XX.

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O primeiro à esquerda, em pé, é o ainda jovem Lacan, filósofo, psicanalista, pensador, seguidor de Freud e seguidor de si mesmo depois de mostrar ao mundo os novos caminhos da terapia. Tinha naquele dia ao seu lado Cecile Éluard, filha do poeta surrealista Paul Éluard, e ao lado desta, Pierre Reverdy, poeta francês, surrealista, cubista e elitista (“A carícia é o produto de um longo polimento da bestialidade”). Ao lado deste, Luoise Leiris, esposa de Michel Leiris, que também posa agachado. Michel, antropólogo, escritor, surrealista em 1924, não mais em 29, ensaista (Espelho da Tauromaquia), foi também um amante voraz da cultura africana (A África Fantasma).

Na sequência posa Picasso, que tem a seu lado Zanie Campan, uma jovem atriz, comediante, esposa do editor Jean Abier, que também aparece na foto, agachado, olhando longe da camêra como se namorasse os grandes à procura de seu espaço. Com um lenço na cabeça, logo após Zanie, aparece Valentine Hugo, artista, pintora, nora do grande Victor Hugo, colaboradora de Jean Cocteau, e que ainda não sabia ter a seu lado um dos maiores ícones da literaura feminina do século XX, a não menos grande Simone, La grand Simone de Beauvoir, cuja principal obra “O Segundo Sexo” foi relançada em 2009, em volume único.

Sartre é o primeiro agachado à esquerda, íntimo de todos, mito, lenda, a seu lado o ainda não mito Camus, mas que naquele dia, naquela noite, batia os pés no chão conduzindo a sessão, mudando as cenas, orquestrando os atores-bricando-de-personagens (Leiris fazia o papel de “Pé Grande”, Sartre o de “Ponta Grande” e Beauvoir interpretava a “Prima”).

Brassai viu tudo, fotografou o que pode, revelou o jeito como se juntavam, se entendiam e se entregavam ao surreal com boa bebida, boa comida e com boas risadas até as primeiras horas da manhã, como narra a autora de “Jacques Lacan - Esboço de Uma Vida”, Elisabeth Roudinesco.

Depois daquela noite Brassai continuou em frente, fez bonito na vida, fez as noites ficarem mais íntimas, qualquer uma delas ficou mais fotográfica depois dele. Nunca se separou daqueles seus amigos de 44, fotografando muitos deles novamente, alguns mais do que outros, como Picasso. Tocou uma carreira brilhante, inesquecível, capturando com as lentes a alma parisiense das alamedas famosas, dos cafés ordinários, dos marginais, dos heróis, dos artistas. Ganhou notoriedade, conviveu com Henry Miller, Jacques Prévert, Henri Michaux, Hemingway, e foi também jornalista, pintor, escultor, e escritor, publicando o magnifico “Proust e a Fotografia”, onde analisa o trabalho de Marcel sobre outra perspectiva, outra óptica, numa visão inovadora e fotográfica. Suas imagens ficarão marcadas para sempre, como aquelas inclusas em uma das principais obras de André Breton (Nadja). Suas fotos, hoje digitalizadas, são estudadas por cada iniciante da fotografia, por cada novo voyeur de Paris e por cada um daqueles que amam os personagens daquela foto. Seu trabalho pode ser visto no RMN - Réunion des Musées Nationaux.

Brassai morreu em 7 de Julho de 1984, em Beaulieu-sur-Mer, Alpes Marítimos, no sul da França. Foi enterrado no local que sempre recebe os iluminados, Cimetière du Montparnasse, ao lado de alguns, como Sartre, Beauvoir, Valentine que naquele dia, naquela noite, naquela foto estavam ao seu lado, e que junto dele em Montparnasse ficarão eternamente.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

POESIA


Talvez o que nos reste
seja o lamento...
O vento lento de um domingo estático.
que táticas ansiosas de sobrevivência
são inúteis.
Talvez somente momentâneas
talvez involuntárias.

Talvez o que nos reste
seja o choro,
em coro!
E o soro - hidrogênio, oxigênio, cloreto de sódio
O ódio... (lágrima)
Composta de elementos que se apagam
dia-a-dia-adia-dia-a-dia-adia
adia não!
Antecipa a esvaessência "óbvia"
da essência dessa terra antiga
Que criou o homem... que criou a cobra em cativeiro...(cantiga)

Talvez o que nos reste
seja o silêncio
O intenso,
o senso de que o nada é irrefutável
Inevitável.
De que a morte natural aural banal
será sorte num momento além, ali... (logo ali)

Talvez o que nos reste agora
seja o agora, o aqui.
A hora que "quem sabe faz"

Talvez seja o olhar pra frente, sem desvios
nem devaneios!
De que atrás há algo melhor
Que as obras as sobras
Os escombros, assombros
O ombros... gesticulando - e daí?
E daí?!
...(e agora?
Chico Almeida

terça-feira, 18 de agosto de 2009

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Mario Bortolotto


Os amigos são pessoas que sentam na mesma mesa que a minha. Ou então que sentam na calçada e dividem copos de cerveja e angústias. Os outros são pessoas com quem não faço a menor questão de me relacionar. Que Deus me livre dos malas e dos sujeitos mal intencionados. Acreditem, há muitos deles por aí. Só quero fazer bem o meu trabalho, acertar as oito bolas no menor tempo possível e beber meu whisky devagar e sem nenhuma ansiedade. Não quero muito da vida. Só a manhã que há de vir. E eu ainda espero estar por aqui pra recebe-la com uma encabulada declaração de amor.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Fabrício Carpinejar


MELHOR ASSIM


Não culpo Deus pela caligrafia.
Não se pode escrever bem
e ainda ter letra bonita.

Não reclamo a estranheza do rosto,
o nariz torto, os olhos caídos.
O que falta em mim, imagino.

Ser feio até que me tranqüiliza.
Enquanto os outros se descobrem,
eu me invento. Não me basto sozinho.

A beleza de minha mulher me perdoa.

domingo, 2 de agosto de 2009

A cidade e os livros


O Rio parecia inesgotável àquele adolescente que era eu.
Sozinho entrar no ônibus Castelo, saltar no fim da linha,
andar sem medo no centro da cidade proibida,
em meio à multidão que nem notava que eu não lhe pertencia - e de repente,
anônimo entre anônimos, notar eufórico que sim, que pertencia
a ela, e ela a mim -, entrar em becos, travessas, avenidas, galerias, cinemas, livrarias:
Leonardo da Vinci Larga Rex Central Colombo
Marrecas Irís Meio-Dia Cosmos
Alfândega Cruzeiro Carioca Marrocos Passos Civilização
Cavé Saara São José Rosário
Passeio Público Ouvidor Padrãp Vitória Lavradio Cinelândia:
lugares que antes eu nem conhecia abriam-se em esquinas infinitas
de ruas doravante prolongáveis por todas as cidades que existiam.
Eu só sentira algo semelhante ao perceber que os livros dos adultos
também me interessavam:
que em princípio haviam sido escritos para mim os livros todos.
Hoje é diferente, pois todas as cidades encolheram, são previsíveis,
dão claustrofobia e até dariam tédio, se não fossem os livros infinitos que contêm.(Antonio Cícero)