terça-feira, 14 de abril de 2015

MANUEL ANTÓNIO PINA

ESPLANADA

Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares....
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.

MANUEL ANTÓNIO PINA

MÁRIO CESARINY

LEMBRA-TE

Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram...
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos

MÁRIO CESARINY

MARIO BENEDETTI

DEFESA DA ALEGRIA

Defender a alegria como uma trincheira
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis...
das ausências transitórias
e das definitivas

defender a alegria como um princípio
defendê-la do pasmo e dos pesadelos
dos neutros e dos nêutrons
das doces infâmias
e dos graves diagnósticos

defender a alegria com uma bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingênuos e dos canalhas
da retórica e da parada cardíaca
das endemias e das academias

defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
do descanso e do cansaço
da obrigação da alegria

defender a alegria como uma certeza
defendê-la da ferrugem e da sarna
da célebre pátina do tempo
do relento e do oportunismo
dos rufiões do riso

defender a alegria como um direito
defendê-la de deus e do inverno
das maiúsculas e da morte
dos sobrenomes e das lástimas
do acaso
e também da alegria

MARIO BENEDETTI

Tradução: Fabiano Calixto

WALLACE STEVENS

O REI DO SORVETE

Chame o enrolador de grandes charutos,
Aquele dobrado, e diga-lhe que bata
Os coalhos concupiscentes nas xícaras da cozinha....
Que as gurias zaranzem nos vestidos
Habituais, e os rapazes tragam flores
Em cartuchos de jornais do mês passados.
Que ser seja o final de parecer.
Só há um rei e esse é o rei do sorvete.

Tire da cômoda de pinho,
Que já perdeu três puxadores de vidro, aquele lençol
Que ela bordou um dia com caudas de pavão
E estenda-o de modo a cobrir-lhe o rosto.
Se um pé unhudo sair para fora, é
Para mostrar como ela está fria, como está muda.
Que a lâmpada afixe o seu filete.
Só há um rei e esse é o rei do sorvete.

WALLACE STEVENS

# Tradução: Décio Pignatari

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Marcio Araujo

apocalipse smith

Estrela final que
chamamos de absinto
desculpe. Tropecei,
e a terça parte das águas tornou-se em absinto

minha mão caiu sobre a Dele
e muitos homens morreram
Ele falou em seguir


 
todos os guerreiros
se tornaram amargos
agora jogam com estranhos
E é tão fácil transformar tudo



patti smith
apocalipse:8;11