quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A casa /José Paulo Paes


Vendam logo esta casa, ela está cheia de fantasmas.

Na livraria, há um avô que faz cartões de boas-festas com corações de purpurina.

Na tipografia, um tio que imprime avisos fúnebres e programas de circo.

Na sala de visitas, um pai que lê romances policiais até o fim dos tempos.



No quarto, uma mãe que está sempre parindo a última filha.

Na sala de jantar, uma tia que lustra cuidadosamente o seu próprio caixão.

Na copa, uma prima que passa a ferro todas as mortalhas da família.

Na cozinha, uma avó que conta noite e dia histórias do outro mundo.



No quintal, um preto velho que morreu na Guerra do Paraguai rachando lenha.



E no telhado um menino medroso que espia todos eles;

só que está vivo: trouxe-o até ali o pássaro dos sonhos.

Deixem o menino dormir, mas vendam a casa, vendam-na depressa.

Antes que ele acorde e se descubra também morto.

2 comentários:

Borges disse...

Os fantasmas e seus afazeres sem fim... Os vivos e suas falsas ocupações: pouco ou nada fazem.

Nivaldete disse...

Às vezes a saída é a gente se calar... bjs