quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Novas Vidas


Escrito por Elifas Andreato


São essas pequenas criaturas a razão deste texto, feito com Nuno ainda no ventre de minha filha. Em breve poderei tê-lo nos braços, para contar-lhe que a vida é mistério, que cada um obedece a leis diferentes, que cada qual traça o seu próprio destino.


No mês passado, completei 66 anos. Ninguém chega a esta idade sem pensar no tempo. Vivi anos suficientes para saber que a negação do tempo é tão vã quanto ele próprio. O tempo é apenas uma série sucessiva de presentes, um caminho perpetuamente destruído e recomposto, pelo qual avançamos sem parar.

Não sou mais tão jovem para não dar ao tempo que ainda disponho a importância de cada novo dia. O tempo tem hoje para mim o significado de uma estrada que não sei onde termina. Nela, o que hoje parece ter relevância, amanhã não passará de simples acessório. Por isso, busco o valor das virtudes com a mesma sinceridade dos anos passados.

Tudo passa, enquanto o tempo assiste, imóvel, ao desfile de alegrias e tristezas – cortejo de que se compõe a vida. A dor, as desilusões, as frustrações não são redenção, mas evolução. É preciso ter esgotado todo o sofrimento para chegar ao tempo tranquilo que precede a aurora de uma nova vida. Ainda que tardia, ela pode ser produtiva e feliz.

Hoje sou capaz de aceitar a infinita diversidade da minha natureza, que me conduziu por caminhos divergentes, mas sempre em busca da felicidade. Felicidade que hoje tenho razões de sobra para compartilhar com todos os que amo. Sobretudo com as novas vidas que me tratam carinhosamente como nono ou vovô. São essas pequenas criaturas a razão deste texto, feito com Nuno ainda no ventre de minha filha. Em breve poderei tê-lo nos braços, para contar-lhe que a vida é mistério, que cada um obedece a leis diferentes, que cada qual traça o seu próprio destino. Mesmo que ele não compreenda, direi que os séculos passam e o mundo se desgasta, mas a alma, essa sim, deve sempre permanecer jovem – como sinto a minha hoje, depois de 66 carnavais.

Gostaria de encerrar dizendo que acredito firmemente no esquecimento de tudo que não quero, para assim construir o triunfo do que quero viver e ser.Espero que o tempo seja generoso, me concedendo alguns anos mais para que possa repetir exaustivamente a essas novas vidas que os objetos da nossa felicidade estão à nossa frente. São eles que mantém acesa a luz em nossos olhos, para que a vida seja preciosa enquanto durar.


Obs: Reprodução/Desenho de Elifas Andreato
Clementina de Jesus: desenho da cantora é, para Elifas, o seu melhor;
Hermínio Bello de Carvalho o vê como ‘a nossa Monalisa’

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