terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Manoel de Barros

O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS

Manoel de Barros

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras fatigadas de informar.
Dou mais respeito às que vivem
de barriga no chão tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos como as boas moscas.
Queria que minha voz tivesse um formato de canto.
Por que eu não sou da informática:
Eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

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