sábado, 14 de novembro de 2009

FRAGMENTOS


Eu sei, de vez em quando vem as guerras porque não somos somente paz. Mas escute, amor: a guerra é lá fora, contra quem quiser pisar na sua cabeça. Não, eu não quero. Eu sou fraca, o amor é fraco, o amor já se entregou. E se isso não tiver graça, eis a hora de partir, pois não é amor o que você procura. Eu só posso lhe oferecer a experiência assustadora e aterrorizante de ser amado.



E se existe alguma guerra é essa: meus dedos em sua pele, delicadamente, arrancando da superfície o que nem você gostaria de ver em si mesmo. Pois está vendo esses dedos? São eles que fazem carinho quando o mundo nos dá vontade de encolher num canto do sofá e dormir chorando... O Outro não pode amar aquilo que Eu não legitimo, não pode! Essa é a guerra! O risco de descobrir-se sem vestes, fraco, humano como qualquer outro, e ainda assim amado. É tão exposto quanto nascer, e não saber como será o mundo; assim como, nu e frágil, não saber o peso daqueles olhos em você.



Hoje eu quis inventar uma outra palavra, não pena. Que em pena a perspectiva é vertical. Em pena, sou eu olhando para baixo, e eu uma outra que traduzisse assim: eu olhando para dentro. Então eu assisto àquilo, olhando um cadáver ainda morno e digo sim, sim, ele tinha dentes muito bonitos, sim. Mas não fui eu que inventei a morte, não fui, a culpa não é minha. Eles dizem: alimente-se bem, beba pouco, não fume. Não fui eu que inventei isso de a morte entrar pela boca. É uma lei natural. Tudo o que é só corpo, pele ou matéria está se desgastando: o guarda-roupa, a Brigitte Bardot, tudo.



Então, o que se salva senão o intangível, senão os gestos que construímos em silêncio, de olhos fechados? E de olhos fechados, sonhei que você voltava dessa guerra e entrava embaixo de minhas cobertas: era o lugar mais quente depois que nada disso importava mais. Eu te abraçava bem forte, sem nada perguntar, porque o modo como você aquecia os meus pés friorentos era mais bonito do que tudo, tudo.

Escrito por Rita Apoena

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