segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Uma crônica de Bruno Ribeiro


Tenho vontade de guardar meus amigos num frasco. De tê-los à mão para conversar deliberadamente. E sinto a necessidade de aprisionar o tempo - não para que ele não passe, mas para que retenha certos sentimentos que deveriam ser eternos. Certos bares nunca poderiam fechar suas portas e certas mulheres não deixariam de nos olhar com olhos de criança diante de um brinquedo novo. Eu tenho muitos sonhos impossíveis - na política, sobretudo, por conta da teimosia e da inesgotável esperança no futuro. Mas dos sonhos mais singelos que tenho, o mais querido é juntar numa festa todas as pessoas que amo ou amei: meus amigos, minhas mulheres, os escritores que fizeram minha cabeça, os jogadores de futebol inesquecíveis, os músicos e os compositores, os mendigos da minha infância, os cachorros que já morreram, os guerrilheiros do Araguaia, os donos dos bares onde afoguei as mágoas ou celebrei qualquer coisa. Todos estaríamos ao redor de uma mesa forrada com as comidas que eu gosto - rabada com angu e agrião, feijoada, torta de palmito, sardinha portuguesa à escabeche, bife à cavalo com fritas - e haveria uma grande confraternização e não faltaria cerveja, uísque e cachaça para ninguém. E aí, quando fosse domingo, depois de dois dias de extrema felicidade, eu morreria. Eu morreria numa cama imensa e macia, rodeado por todas as pessoas que amo ou amei. E, se não fosse pedir demais, haveria uma orquestra no telhado e ela executaria primeiro a A Cavalaria Rusticana e depois a Internacional Socialista e eu, fisgando um decote, diria alguma gracinha para uma ex-namorada, fecharia os olhos e pronto. Aí, como João Amazonas, pediria que minhas cinzas fossem jogadas no Araguaia, onde tombaram os companheiros. Só que no caminho alguém mudaria de idéia e me jogaria no rio Maracanã, onde minhas cinzas encontrariam as do Fernando Toledo e as cinzas dele perguntariam para as minhas: "E aí, como estão as coisas por lá? Continuam a mesma bosta?". E as minhas cinzas responderiam insolentes: "É, estão do mesmo jeito. Mas até que dá para o gasto, viu? Você faz falta, mano.." E então nossas cinzas entrariam pelo buraco de um encanamento qualquer e se juntariam no esgoto e, tal como na vida, faríamos parte da mesma merda. Sei lá, às vezes eu penso que só valeria a pena viver se fosse assim. E morrer também, o que acaba sendo quase a mesma coisa.
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