quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

saudade de casa


da lapa ao leblon
tudo me faz falta
nas madrugadas
de itacoatiara a grumari
todas as praias
não tem genipabu nem canoa quebrada
que se compare ao pôr do sol do arpoador
nada, simplesmente nada se compara
ando cansada da estrada e da solidão
aqui não se fala a minha língua
me sinto gringa, estrangeira em meu próprio país
no rio, está a minha poesia
no rio, estão meus amigos
meu teatro está no rio
meus cinemas, avenidas, minhas praças
o rio é a minha praia
aceito seu calor abafado
seus engarrafamentos
minha falta de tempo
aceito estar na linha de tiro do fogo cruzado
conheço seus becos, seus pontos de fuga
na loucura toda, eu me sinto segura
falo o mesmo dialeto
tenho jogo de cintura
lá eu não me meto em furada
a não ser que eu queira
às vezes eu quero
lá eu sempre faço o que eu quero na hora que eu quero
eu sei os caminhos, conheço as ruas por nome e sobrenome
meu carro está parado na garagem esperando eu girar a chave e zunir pra algum lugar
meus amigos estão me esperando em algum bar
meus amigos sempre estão em algum bar
meus amigos sempre sabem que mesmo atrasada eu vou chegar
sinto falta das suas risadas
sinto falta das minhas risadas
ecoando juntas nas madrugadas
sinto falta de andar na rua esbarrando em gente com pressa
sabe? esse tanto de gente, essa urgência...
isso que faz da cidade grande uma enorme galinha apavorada
me sinto um pintinho desgarrado
tenho muita pressa e nenhum lugar pra ir
muita ânsia e nada pra fazer
perdi o hábito de ter férias
é muito estranho não estar atrasada
sinto que estou perdendo tempo quando ele sobra
que vício louco, andar apressada
com mais coisas marcadas do que cabem num dia
esbarrar em pessoas nas ruas me faz sentir acolhida
aqui as pessoas papeiam nas portas das casas
e eu não tenho nada a dizer pra elas (não falo sua língua)
e elas estão distantes, não esbarram em mim, e eu me sinto um peixe fora d'água
sinto falta até mesmo de xingar o despertador impertinente e as buzinas inúteis
sinto falta do uivo dos bêbados na esquina da minha casa
de uivar bêbada nas esquinas dos outros
sinto falta de todos os loucos grunhindo desaforos, batucando canções e se escorando nos postes pra dizer eu te amo para o meio-fio
sinto falta dessa coisa toda, meio dor meio alegria
de tudo, absolutamente tudo
de toda a matéria de que é feito o rio

Beatriz Provasi

Um comentário:

Borges disse...

Parece que o próprio Cristo vem descendo o Corcovado. Linda imagem. Bjs