terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Trechos de cartas escritas por Caio F. Abreu


“Nuvens negras. Insistimos. Sobrevivemos. A casa tá limpinha, o incenso queima, a roseira tá — medo — sem nenhuma rosa no momento, quarta vou jantar com Maria Adelaide Amaral e quinta ver Bailei na Curva (o Julio Conte ligou hoje). Fica feliz. (...) Você é maravilhoso demais, menino. Se convence, tchê. Me queira bem sempre. Sinto saudades fortes. Faz pensamento bom pra minha cabeça e meu corpo resistirem impávidos & legais, preu achar um moço que diga que sou bonito e não vive sem mim. Te beijo. Te cuida bem. Axé, vários axés.”
- Carta para Luciano Alabarse, de São Paulo, 9/7/1994

“A minha vida sexual tá parecendo uma versão latino-americana & gay do Mulheres, do Bukowski, ando até pensando num texto chamado Os homens que eu tive. Mas de ontem prá cá me deu um enjôo total e só cometi um pequeno felácio. As côsas mudaram muito e muito rápido: eis que Ivan, o belo, não me quis mais — quis morrer de dor, mas decidi que sou ótimo.”
- Carta para Luiz Arthur Nunes, datada "Sampa, acho que 25 ou + ou - isso/junho-84"

“Impossível não pensar em você bebendo literalmente litros de água Perrier todo o dia - o aquecimento seca horrores a pele! -, mas não só por isso. Também procuro as cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo (vi uma autêntica na Fiac, em Paris!), que aqui, neste porto de mar na Bretagne, entre Nantes e Brest, a cidade de Querelle, são bastante raras. São mais cores.”
- Carta para Adriana Calcanhotto, de Saint-Nazaire, França,16/12/92

“Quanto à mim, aconteceram — ah! — algumas tragédias do coração. Diálogos ridículos, tipo, és-um-mito-para-mim e eu dizendo que os mitos também trepam. Tudo isso em pleno Rádio-Clube, no meio de um show de Ângela Ro-Ro. Nada mais perfeito. Tomei um porre de vinho, tiveram que me trazer em casa. Chorei a noite toda, dei vários telefonemas desesperados. Só me puteio por ter me enganado outra vez. Mas gosto de perceber que as dores são cada vez mais rapidamente superadas.”
- Carta para Luciano Alabarse, de São Paulo, 1o/6/1984

“Estava com a carta pronta ontem, quando aconteceu uma coisa e não deu para colocar no Correio. Reinaldo Moraes, aquele meu grande amigo, foi visitar a mãe dele, por volta do meio-dia, e encontrou-a morta, caída no chão da cozinha (...) Resultado: alguns amigos tiveram que segurar junto. Quando vi, estava no meio da coisa. Tipo, vestir a morta, agitar caixão. Essas coisas. Eu nunca tinha visto ninguém morto, exceto Elis, no caixão. Fiquei muito impressionado, mas fui mais forte do que imaginava. O enterro era hoje de manhã, mas não tive coragem de ir, depois de ter ficado no velório ontem, até tarde. Tenho a impressão que alguma coisa muda E muda forte. Não sei bem o quê. É como se estivesse muito mais velho. Assim como se um contato frontal com a morte fosse a única coisa que faltava para ficar definitivamente adulto. Pois é. Era terrivelmente real. E feio. E vazio — alguma coisa já não estava mais lá. A alma? Pode ser.”
- Idem

“São 7h:30 da manhã, acordei às 7h (se você soubesse como ando comportado). Fiz café e acendi um papier d'Arminie, um incenso vegetal que se compra nas farmácias. Parece que vai dar sol hoje. Peter, o amigo alemão de Alexandre, já bate panelas na cozinha. Ele é da Rostok , Alemanha do Leste, e tem o hábito de comer salsichas ao despertar.”
- Carta para Cida Moreira, de Paris, 22/3/1994

Um comentário:

Borges disse...

Caio me foi apresentado por vc Tetê, em Morangos... Mas ficou para trás. Agora o leio fragmentado. Ele é "barra". A carta que ele escrever sobre Elis me fez desmoronar. Cai(o).