sexta-feira, 23 de julho de 2010

A MERCÊ DAS MANHÃS


Eu, pecado

me confesso

nessa manhã de domingo

voltando do banheiro

e pedindo um croque monsieur

Eu voltei pro alcoolismo

se tenho que ver essa garota linda

quase etérea no balcão

intimidando meus passos

a carinha de Juliete Binoche

perguntando: “o que cê tá fazendo?”

“você não tá gostando?”

“continua”.

meus dedos roçando suavemente

o lóbulo de sua orelha

atravessando a cidade

morrendo no balcão de uma padaria

Tenho a bandeira brasileira na porta do meu quarto

e um 38 na gaveta do criado

Tenho os olhos injetados

quando leio um poema do Del na frente do hotel

não preciso beber vodka

ninguém vai cheirar meu hálito quando eu chegar em casa

não tem ninguém esperando por mim nessa manhã

peço um corn flakes e misturo com cerveja

Se esse poema parece um epitáfio

é porque descobri que só é possível morrer

quando os deuses se distraem

Vou entrar num restaurante coreano

e pedir um karaokê

Me parece um bom lugar pra morrer



Mário Bortolotto

Um comentário:

Borges disse...

Lembrei do meu avô, quando eu pedia, esse lugar: - "Bom lugar, pra mim, é aquele de se viver". Lindo poema!