quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A noite do Rei


Pela primeira vez em 50 anos de carreira, Roberto Carlos foi obrigado a adiar a gravação do seu especial de dezembro. O show, que deveria ter acontecido na semana passada, foi remarcado para ontem, terça-feira, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Sem tocar no assunto das fortes dores musculares que o fustigaram no começo do mês, o cantor abriu o espetáculo falando da idade avançada e arrancou risos complacentes: "Desde que nasci – e sei que faz muito tempo...".
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Poucos artistas no mundo podem se dar o luxo de cantar o mesmo repertório ao longo de décadas e ainda assim continuar arrastando e emocionando multidões. Roberto é um deles. Tudo neste personagem mítico parece imutável: do corte de cabelo ao velho terno azul. A impressão é de que o Rei, assim como o Natal, sempre houve e sempre haverá.
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É possível buscar explicações racionais para o fascínio que sua figura exerce no palco – da produção global que o cerca ao naipe dos músicos que o acompanham, muitos são os fatores que fazem de Roberto Carlos o maior cantor popular do Brasil em todos os tempos. Mas só estas explicações não satisfazem.
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O Rei está impregnado na memória do povo brasileiro. Todos, em maior ou menor grau, temos uma lembrança envolvendo uma música de sua autoria, independente de faixa etária ou classe social. Esta memória coletiva – e afetiva – é a responsável pela catarse que acontece sempre que o mito repete o gesto de caminhar lentamente em direção ao microfone e, após a introdução apoteótica da orquestra, entoar com a inconfundível voz anasalada os versos atemporais: "Quando eu estou aqui/ eu vivo este momento lindo...".
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A abertura com Emoções é previsível, mas sempre única. Frank Sinatra também era previsível quando encerrava seus shows com New York, New York. No entanto, foi um crooner genial. Não seria a repetição uma virtude? Assim como as pessoas se sentem seguras quando constatam que a comida de seu restaurante preferido continua a mesma apesar da passagem inexorável do tempo, também os fãs do Rei se sentem acolhidos em canções como Detalhes. É como voltar para casa depois de uma viagem longa. E ele sabe disso.
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"Vou cantar agora uma música que nunca pode ficar de fora. Uma vez deixei de cantar e parece que ficou faltando alguma coisa", comentou o cantor no momento mais introspectivo da noite. Ao banquinho e munido de violão, tal e qual João Gilberto (Roberto iniciou a carreira imitando o pai da bossa nova), colocou a orquestra e a multidão em respeitoso silêncio: "Não adianta nem tentar me esquecer/ durante muito tempo em sua vida/ eu vou viver".
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A presença mais aguardada do evento era a da atriz Dira Paes, a nova musa de RC. Assim como Camila Pitanga no especial de 2007, Dira foi convidada a cantar Cama e Mesa. Ela fingiu se esquivar, como se tudo não tivesse sido ensaiado, e avisou que só cantava no chuveiro. "Infelizmente não foi possível montar o chuveiro aqui no palco", brincou Roberto, "mas eu gostaria muito que você cantasse comigo". A plateia masculina se manifestou efusivamente pela primeira vez. Como cantora, porém, Dira Paes mostrou ser uma boa atriz.
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O encerramento do show, tão previsível quanto a abertura, levantou o público nas arquibancadas do Ginásio do Ibirapuera: acompanhado por uma orquestra em êxtase, cantando Jesus Cristo enquanto distribuía rosas vermelhas aos convidados da primeira fila, o Rei repetiu uma história de Natal já muito conhecida dos brasileiros. Para a Psicologia, a repetição da estrutura mítica individual reedita o mito familiar. É impossível entender como ama a família brasileira sem entender a obra de Roberto Carlos.
Escrito por Bruno Ribeiro

Um comentário:

Borges disse...

Muito bom! Pena que eu não vi o rei de terno azul-nevado do natal. Abç