Posso dizer que conheço a obra de Lígia,li tudo que ela publicou.É uma das minhas autoras preferidas,meu maior sonho é conhecê-la pessoalmente,temo que esse sonho não vá se concretizar,pela idade,pela geografia,ela já velhinha não tem como vir a Natal e me parece que tem circulado pouco,evita sair de casa.Concedeu essa excelente entrevista ao "prosa e verso",um deleite que dispobilizo aqui: Aos 86 anos, Lygia Fagundes Telles inicia, com “As meninas”, “Antes do Baile Verde” e “Invenção e memória” o relançamento de seus livros por uma nova editora, a Companhia das Letras. A escritora conta que sua “separação” com a editora anterior, a Rocco, foi cordial, mas se revela encantada com a nova parceria. “É uma espécie de renascimento da minha obra. Estou renascendo junto. A impressão que tenho é que acabei de escrever estes livros. Estou oferecendo ao leitor frutos renovados”. Lygia falou ao GLOBO em sua casa, em São Paulo e, numa conversa pontuada pela emoção, contou sobre seus planos para um novo livro, as dificuldades em ser uma pioneira na literatura brasileira e sobre seu processo de criação. (Foto de Anderson Prado/Diário de S. Paulo)
A senhora fala de seu ofício como uma missão e deseja transmitir uma mensagem a seus leitores. Qual seria esta missão, esta mensagem? Quero passar para o próximo esperança. Eu acredito muito nas três virtudes teológicas: a fé, a esperança e a caridade. Então, procuro passar o sonho para o próximo. O escritor, pelo menos o da minha linha, pode ser corrompido, mas não corrompe o leitor. O escritor pode ser louco, mas não enlouquece o leitor. Ao contrário, pode afastá-lo da loucura. O escritor pode ser triste, solitário, mas vai acompanhar o leitor que está na solidão. Quero dizer que o escritor tem sim uma missão mais profunda do que esta coisa superficial, como é tomada no Brasil.
Qual sua relação com os leitores? O leitor não é meu parceiro, é meu cúmplice. Ele vem, toma satisfações, conversa comigo. Outro dia, andando na rua, veio uma senhora e perguntou: “A senhora é Dona Lygia? A senhora escreveu um livro chamado ‘Meus contos preferidos’. Mas a senhora não pôs aquele conto, ‘A confissão de Leontina’. Esse conto é o melhor que a senhora escreveu. A senhora não sabe seus contos melhores”. Ao que respondi: “desculpe”. Meu cúmplice veio tomar satisfações. Depois, em uma universidade, eu estava falando e vi que o pessoal estava desatento. Aí disse: “olha, não sei o que estou fazendo aqui, isso é uma loucura. Vocês gostam de futebol, de balada. Agora, de escritor brasileiro, zero”. Quando fui dar autógrafos, chegou um rapaz cabeludo e me atirou um bilhete. Ainda perguntei se queria uma dedicatória e ele respondeu que não, era só para eu ler o bilhete. Chegando em casa fui ler, estava escrito assim: “não é loucura não. Alguns contos seus já me afastaram do desespero”. Guardo até hoje este bilhete.
Além das revisões das obras relançadas, está trabalhando em um novo romance? Estou pensando em um novo romance sim, antes de ir embora. Ainda não dá para contar nada. Escrevo tudo na cabeça, depois passo para o papel. É meu processo de criação. E neste romance quero me despedir.
A senhora é religiosa? Acredito em Deus. Não frequento igreja, mas amo meus anjos e santos. Tenho muita fé. Acho que além dessa nossa passagem aqui, há alguma além. Acredito muito em Cristo, nesta certeza de que há algo além da morte. Não sei bem como é, mas existe sim.
Na releitura de suas obras para a reedição, a senhora fez alguma mudança? Revendo “As meninas” (1973), com a ajuda de minha neta Lúcia Telles, percebi, além de vírgulas em excesso acrescentadas por revisores ao longo dos anos, a falta de um trecho. Disse a Lúcia que havia algo errado. A personagem Lorena conta uma história de sua infância para Lia e Ana Clara: seu irmão Rômulo foi morto pelo outro irmão, Remo, em uma brincadeira de bandido e mocinho. Foi um tiro acidental. Remo não sabia que a carabina com que brincava estava carregada. Sem querer, puxa o gatilho e o irmão cai morto. Um dia a Lia vai à casa da mãe de Lorena, a “mãezinha”. A mulher conta que o filho, Rômulo, morreu bebê. Lia fica sem saber qual é a versão verdadeira, se a da mãezinha ou a de Lorena, mas não falou mais nisso. Quando reli o livro, não quis que Lia soubesse quem mentiu, mas ela tinha de falar nisso mais uma vez. E antes das meninas se separarem, no final do livro, acrescentei que Lia olha para Lorena, se lembra da história de Rômulo, e fala: “Vou embora e ainda não sei”. Lorena pergunta: “não sabe o que, Lião?”. E Lia responde, misteriosa: “o resultado aí de uma pesquisa”. É uma coisa tão mínima, mas fiquei devendo na primeira edição.
Teve novas impressões sobre seus textos ao relê-los? De repente, cheguei à conclusão de que meus livros estão prontos. Fiz o melhor que pude. Estava terminando “As meninas”, na chácara do meu irmão em Barra de São João, quando todos dormiam. Quando acabei caí em prantos, estava me despedindo de minhas personagens. Elas conviveram comigo, falaram, discutiram o tempo todo e estavam indo embora. Ia perdê-las, mas depois pensei: “elas vão voltar, com máscaras, mas vão voltar”. As personagens são como nós mesmos. Nós gostamos da vida, queremos viver até a última gota.
Como se sente com o relançamento de sua obra? É uma espécie de renascimento da minha obra, estou renascendo junto. A impressão que tenho é que acabei de escrever estes livros e eles estão saindo lindos. Estou oferecendo ao leitor esses frutos renovados, renascidos. Acredito no próprio renascimento pessoal e no de minha obra. Estou muito contente na Companhia das Letras. O editor (Luiz Schwarcz) acreditou em mim, apostou alto. Os livros estão lindos. Um escritor precisa disso, ser cuidado.
Por que seus três primeiros livros são desconsiderados no conjunto de sua obra a ser relançado? Comecei a escrever muito jovem. Foi muito difícil. Tive uma juventude pobre. Estava ainda no curso fundamental (Lygia tinha 15 anos quando publicou o livro de contos “Porão e sobrado”) quando publiquei um livrinho. Mas foi prematuro, errado. Chamo isso de juvenilidades. Me arrependi de meus primeiros livros (“Porão e sobrado”, de 1938; “Praia viva”, de 1944; e “O cacto vermelho”, de 1946, todos de contos). Cortei-os da minha obra e começo a considerar minha carreira a partir do romance “Ciranda de pedra” (de 1954).
Como é ser escritor no Brasil? Minha literatura é engajada. Sou uma escritora do Terceiro Mundo, onde a saúde e a educação são um desastre. Quando eu era estudante de direito disse uma coisa muito importante e que vale até hoje: quando o Brasil tiver mais creche e mais escolas, ele terá menos hospitais e cadeias. Claro que estou sempre escrevendo, querendo passar para o meu leitor essa verdade sobre o meu país. Então não vou disfarçar. É muito duro um país como o nosso, mas assumi meu ofício.
O fato de ser mulher em algum momento tornou essa escolha mais difícil? Um professor da Faculdade de Direito, Miguel Reale, dizia que a mais importante revolução do século XX foi a revolução da mulher. As mulheres estavam muito na sombra, sem coragem de assumir suas vocações. Eu demorei muito para assumir minha vocação, que era escrever. Quando entrei na Faculdade de Direito, eram sete meninas para quase 200 rapazes. Quer dizer, assumi minha vocação e ousei. Em uma conferência na faculdade, um rapaz perguntou para mim: “o que vocês vieram fazer aqui? Casar?” Eu respondi: “Também”. E acabei me casando mesmo... De um certo modo, as mulheres de minha geração foram a vanguarda. Agora é duro. Ainda em meu tempo de estudante, fiz uma tarde de autógrafo. Dois rapazes chegaram e disseram: “Ô Lygia! O que é esse negócio de você escrever um livro? Você já é bonitinha, perna bonita, cabelo bonito. Que besteira é essa?” E eu desabei a chorar. A Clarice Lispector, da minha geração, também tinha muito esses medos. Ela dizia para mim: “Lygia, não tira retrato rindo, que eles não levam você a sério”.
O quanto é importante para a senhora ser tida como uma das maiores autoras nacionais? Isso não tem importância nenhuma para mim. O importante é cumprir meu ofício, minha vocação com paixão, coisa que faço até hoje. Maior, menor, isso é coisa de político. O que importa mesmo é ser fiel ao sonho até o fim. Acertou? Não acertou? Não interessa
A senhora fala de seu ofício como uma missão e deseja transmitir uma mensagem a seus leitores. Qual seria esta missão, esta mensagem? Quero passar para o próximo esperança. Eu acredito muito nas três virtudes teológicas: a fé, a esperança e a caridade. Então, procuro passar o sonho para o próximo. O escritor, pelo menos o da minha linha, pode ser corrompido, mas não corrompe o leitor. O escritor pode ser louco, mas não enlouquece o leitor. Ao contrário, pode afastá-lo da loucura. O escritor pode ser triste, solitário, mas vai acompanhar o leitor que está na solidão. Quero dizer que o escritor tem sim uma missão mais profunda do que esta coisa superficial, como é tomada no Brasil.
Qual sua relação com os leitores? O leitor não é meu parceiro, é meu cúmplice. Ele vem, toma satisfações, conversa comigo. Outro dia, andando na rua, veio uma senhora e perguntou: “A senhora é Dona Lygia? A senhora escreveu um livro chamado ‘Meus contos preferidos’. Mas a senhora não pôs aquele conto, ‘A confissão de Leontina’. Esse conto é o melhor que a senhora escreveu. A senhora não sabe seus contos melhores”. Ao que respondi: “desculpe”. Meu cúmplice veio tomar satisfações. Depois, em uma universidade, eu estava falando e vi que o pessoal estava desatento. Aí disse: “olha, não sei o que estou fazendo aqui, isso é uma loucura. Vocês gostam de futebol, de balada. Agora, de escritor brasileiro, zero”. Quando fui dar autógrafos, chegou um rapaz cabeludo e me atirou um bilhete. Ainda perguntei se queria uma dedicatória e ele respondeu que não, era só para eu ler o bilhete. Chegando em casa fui ler, estava escrito assim: “não é loucura não. Alguns contos seus já me afastaram do desespero”. Guardo até hoje este bilhete.
Além das revisões das obras relançadas, está trabalhando em um novo romance? Estou pensando em um novo romance sim, antes de ir embora. Ainda não dá para contar nada. Escrevo tudo na cabeça, depois passo para o papel. É meu processo de criação. E neste romance quero me despedir.
A senhora é religiosa? Acredito em Deus. Não frequento igreja, mas amo meus anjos e santos. Tenho muita fé. Acho que além dessa nossa passagem aqui, há alguma além. Acredito muito em Cristo, nesta certeza de que há algo além da morte. Não sei bem como é, mas existe sim.
Na releitura de suas obras para a reedição, a senhora fez alguma mudança? Revendo “As meninas” (1973), com a ajuda de minha neta Lúcia Telles, percebi, além de vírgulas em excesso acrescentadas por revisores ao longo dos anos, a falta de um trecho. Disse a Lúcia que havia algo errado. A personagem Lorena conta uma história de sua infância para Lia e Ana Clara: seu irmão Rômulo foi morto pelo outro irmão, Remo, em uma brincadeira de bandido e mocinho. Foi um tiro acidental. Remo não sabia que a carabina com que brincava estava carregada. Sem querer, puxa o gatilho e o irmão cai morto. Um dia a Lia vai à casa da mãe de Lorena, a “mãezinha”. A mulher conta que o filho, Rômulo, morreu bebê. Lia fica sem saber qual é a versão verdadeira, se a da mãezinha ou a de Lorena, mas não falou mais nisso. Quando reli o livro, não quis que Lia soubesse quem mentiu, mas ela tinha de falar nisso mais uma vez. E antes das meninas se separarem, no final do livro, acrescentei que Lia olha para Lorena, se lembra da história de Rômulo, e fala: “Vou embora e ainda não sei”. Lorena pergunta: “não sabe o que, Lião?”. E Lia responde, misteriosa: “o resultado aí de uma pesquisa”. É uma coisa tão mínima, mas fiquei devendo na primeira edição.
Teve novas impressões sobre seus textos ao relê-los? De repente, cheguei à conclusão de que meus livros estão prontos. Fiz o melhor que pude. Estava terminando “As meninas”, na chácara do meu irmão em Barra de São João, quando todos dormiam. Quando acabei caí em prantos, estava me despedindo de minhas personagens. Elas conviveram comigo, falaram, discutiram o tempo todo e estavam indo embora. Ia perdê-las, mas depois pensei: “elas vão voltar, com máscaras, mas vão voltar”. As personagens são como nós mesmos. Nós gostamos da vida, queremos viver até a última gota.
Como se sente com o relançamento de sua obra? É uma espécie de renascimento da minha obra, estou renascendo junto. A impressão que tenho é que acabei de escrever estes livros e eles estão saindo lindos. Estou oferecendo ao leitor esses frutos renovados, renascidos. Acredito no próprio renascimento pessoal e no de minha obra. Estou muito contente na Companhia das Letras. O editor (Luiz Schwarcz) acreditou em mim, apostou alto. Os livros estão lindos. Um escritor precisa disso, ser cuidado.
Por que seus três primeiros livros são desconsiderados no conjunto de sua obra a ser relançado? Comecei a escrever muito jovem. Foi muito difícil. Tive uma juventude pobre. Estava ainda no curso fundamental (Lygia tinha 15 anos quando publicou o livro de contos “Porão e sobrado”) quando publiquei um livrinho. Mas foi prematuro, errado. Chamo isso de juvenilidades. Me arrependi de meus primeiros livros (“Porão e sobrado”, de 1938; “Praia viva”, de 1944; e “O cacto vermelho”, de 1946, todos de contos). Cortei-os da minha obra e começo a considerar minha carreira a partir do romance “Ciranda de pedra” (de 1954).
Como é ser escritor no Brasil? Minha literatura é engajada. Sou uma escritora do Terceiro Mundo, onde a saúde e a educação são um desastre. Quando eu era estudante de direito disse uma coisa muito importante e que vale até hoje: quando o Brasil tiver mais creche e mais escolas, ele terá menos hospitais e cadeias. Claro que estou sempre escrevendo, querendo passar para o meu leitor essa verdade sobre o meu país. Então não vou disfarçar. É muito duro um país como o nosso, mas assumi meu ofício.
O fato de ser mulher em algum momento tornou essa escolha mais difícil? Um professor da Faculdade de Direito, Miguel Reale, dizia que a mais importante revolução do século XX foi a revolução da mulher. As mulheres estavam muito na sombra, sem coragem de assumir suas vocações. Eu demorei muito para assumir minha vocação, que era escrever. Quando entrei na Faculdade de Direito, eram sete meninas para quase 200 rapazes. Quer dizer, assumi minha vocação e ousei. Em uma conferência na faculdade, um rapaz perguntou para mim: “o que vocês vieram fazer aqui? Casar?” Eu respondi: “Também”. E acabei me casando mesmo... De um certo modo, as mulheres de minha geração foram a vanguarda. Agora é duro. Ainda em meu tempo de estudante, fiz uma tarde de autógrafo. Dois rapazes chegaram e disseram: “Ô Lygia! O que é esse negócio de você escrever um livro? Você já é bonitinha, perna bonita, cabelo bonito. Que besteira é essa?” E eu desabei a chorar. A Clarice Lispector, da minha geração, também tinha muito esses medos. Ela dizia para mim: “Lygia, não tira retrato rindo, que eles não levam você a sério”.
O quanto é importante para a senhora ser tida como uma das maiores autoras nacionais? Isso não tem importância nenhuma para mim. O importante é cumprir meu ofício, minha vocação com paixão, coisa que faço até hoje. Maior, menor, isso é coisa de político. O que importa mesmo é ser fiel ao sonho até o fim. Acertou? Não acertou? Não interessa
Um comentário:
Lygia é uma mulher muito bonita e escreve muitíssimo bem.
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